Amanhã,
Sete anos atrás eu era uma advogada tributarista do mundo corporativo. Entre uma ida e outra na Receita Federal eu afirmava “isso aqui não parece ser o que deveria estar fazendo da vida”. Um sentir que vai além de qualquer explicação. Eu sentia, mas não sabia o que fazer com aquele sentimento. Aí chegou a maternidade, essa que adora criar uma turbulência interna e depositar doses extras de coragem. Saí de licença já com o aviso de que não retornaria ao trabalho. Não para aquele.
Cozinheira de mão cheia que sou (sem modéstia mesmo) acreditei que o futuro que me era reservado estava no mundo alimentício. Entre bolos, hambúrgueres e variados pratos, todos veganos, passei cerca de um ano e meio comprando muitos ingredientes, cozinhando as muitas encomendas e entregando, tudo com um carrapatinho grudado em mim.
Entre um prato e outro, a escrita, que não se fazia presente desde a adolescência, começou a dar sinais de que estava ali, me esperando para um encontro que nem sabia que me aguardava. Numa necessidade inexplicável, comecei a escrever, escrever, escrever. Tomou uma dimensão tão grande que não conseguia me imaginar fazendo nada diferente disso. É estranho, eu sei. Tenho inclusive, dificuldade em contar esta história, dizer que me tornei escritora aos trinta e quatro anos quando, do nada, a escrita se fez item básico de existência na minha vida.
Estou contando tudo isso pois, desde essa constatação, tenho traçado planos que me possibilitem escrever, mas também pagar meus boletos. Correndo o risco de me colocar em uma situação mais vulnerável do que dou conta, afirmo: Tem sido uma grande montanha russa. Daquelas bem grandes, que a gente entra achando que vai dar tudo certo e chega lá no meio implorando para descer.
Não vou entrar aqui no mérito de que comecei uma carreira nova aos trinta e quatro anos. Todos sabemos que começar qualquer coisa é um desafio. Uma carreira nova então. Aos trinta e quatro, pode até soar insano para alguns. Na literatura? Definitivamente, loucura. Mas eu não tive escolha. De verdade. Foi um chamado da vida, que não ousaria ignorar. E estou aqui contando tudo isso porque no decorrer desses últimos três anos neste grande universo das palavras, entre um desafio e outro, decidi criar um pacto com ela, a literatura.
Vejo a literatura como uma espécie de entidade. Uma força que se move sozinha e que contém mais mistérios do que somos capazes de entender. Uma potência que por alguma razão que ainda me é estranha, decidiu se juntar a mim. Criamos uma bela parceria e, na intenção de seja ela duradoura e genuína, impus a mim mesmo uma espécie de mantra: A literatura não me deve nada.
Esta é a frase que repito insistentemente quando me vejo olhando mais para o resultado do que para nosso trabalho em conjunto. E quando digo resultado, me refiro aos boletos pagos com o dinheiro que vem da nossa sociedade. É complexo, eu sei. Criar uma carreira literária sem olhar para ela não apenas como uma carreira, mas como algo que vai muito além disso. Talvez propósito não seja a palavra que abarque tudo que quero dizer, mas é uma palavra que diz um pouco do que estou tentando colocar aqui.
Escrever, me conectar com as palavras. Tenho um genuíno desejo de que posso fazer isso e ainda ter o privilégio de pagar o que precisa ser pago com o dinheiro que vem destas tantas palavras escritas, lidas, revisadas e dialogadas. Trabalhar com literatura é amplo, não se restringe em apenas escrever. Tenho cada vez mais expandido minha sociedade com ela, mantendo a clareza de que nossa união é para além de resultados financeiros que são sim necessários, mas que definitivamente, não resumem nosso pacto.
Decidi trazer tudo isso aqui porque acredito que muitos que me leem vivem também nesta grande corda bamba do capitalismo que, quase todos os dias, tenta nos tirar o brilho das relações profundas que criamos com a arte. É preciso clareza, e muita resistência, para que possamos criar sem a cobrança do resultado segundo os moldes do capital (dinheiro e reconhecimento), assim como nos sentirmos merecedores do que chega, escrever, ler (muito livros), editar é para mim trabalho e agradeço poder ser paga por tudo isso.
A arte é um presente para nós, a humanidade, e dar dinheiro para aqueles que dedicam suas vidas para torna-la viva e presente é uma forma de agradecimento e desejo que aqui permaneça conosco.
A literatura não me deve nada. E ainda assim, muito me dá.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Aproveitando o ensejo do texto, vou aproveitar para trazer aqui um pouco do que faço além de escrever livros e esta carta que recebem toda semana:
*Edição e revisão de textos literários/acadêmicos;
*Leitura critica de livros de ficção/não ficção/acadêmicos;
* Curadoria de livros (pesquisa de temas específicos e abordagens variadas de determinado universo literário);
*Pesquisa literária/elaboração de ensaios;
*Condução individual/coletiva de escrita expressiva.
Para contratação de qualquer um destes serviços envie e-mail para anammargonato@gmail.com
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Que lindo! que trajetória linda e corajosa!
Que texto lindo e sensível! 🤎