A quem pertence a história? #102
Tenho histórias. Muitas histórias.
Amanhã,
A quem pertence a história? Ao telespectador, que assiste minuciosamente tudo acontecer, ao personagem principal, o elenco todo? Me vejo refletindo sobre as histórias que me atravessam, literalmente, o que me acontece e qual a narrativa que dou para elas. As vivências não são somente minhas, tenho o direito de narra-las mesmo assim?
Sou um tanto quanto fissurada por autobiografias e autoficção. Costumam ser os livros que mais me envolvem, que lembro de trechos com detalhes. Maya Angelou, Vivian Gornick, Joan Didion e Patti Smith são deusas para mim, não apenas porque escrevem de forma brilhante, elas contam sua história. Isso me encanta.
Assisti no final de ano um documentário feito pelo Museu da Pessoa. Vi três vezes, anotei várias páginas de relatos de pessoas que nunca vi na vida, mas chegaram até mim numa espécie de conexão, através de sua história. É como se houvesse um fio, que interliga as pessoas dispostas a dar para o outro um pedaço de si. Contar histórias é um ato generoso. Contar de forma brilhante, é um dom.
Deixei Anne Ernaux de fora desta lista porque ela, olho ainda com mais curiosidade. Quando vi os temas de seus livros a primeira coisa que pesquisei foi a idade que havia escrito esses relatos. Vivências tão fortes seriam contadas logo após o calor do momento? Falar de forma tão profunda sobre a família enquanto ainda vivem? Anne escreveu tais livros não tão jovem e penso se foi a experiência que lhe deu o aval para colocar no papel aquilo que a vida lhe concedeu ou ela nunca precisou de autorização.
Escrevo, sobretudo, porque histórias são para mim, o que mais importa. Anne diz “Se não escrevo as coisas, elas não encontram seu termo. São apenas vividas”. Me encontro em suas palavras, se não escrevo, aquilo não me participa.
Tenho histórias. Muitas histórias. Algumas até foram ousadas e se tornaram palavras em um papel. Mas nenhuma saiu dali, do cantinho de uma pasta escondida do mundo. Não me sinto autorizada a conta-las, é como se ainda não me pertencessem. Divido elas com pessoas que não deixariam eu toma-las para mim.
Me inspiro em Maya, Vivian, Joan, Patti e Anne. São vozes de mulheres que, em algum momento, tomaram suas histórias para si.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Nesta quinta, dia 02/02 irei junto com a Fernanda Misumi falar sobre essas mulheres e muitas outras na literatura. Se inscreva aqui, é gratuito.
As inscrições para clube do livro do Dialeto Materno se encerram para a modalidade semestral dia 20/02. Se ainda não se inscreveu, corre que semana que vem vamos começar a falar de Blue Nights com as inscritas, pensa num grupo que já está uma lindeza só.
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Obrigado pelo presente que foi encontrar essa citação: “Se não escrevo as coisas, elas não encontram seu termo. São apenas vividas”. E, é claro, pela tua partilha sensível 🧡