Cartas para o amanhã

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A vida e a morte dançam juntas uma linda canção #47

anamargonato.substack.com

A vida e a morte dançam juntas uma linda canção #47

Sobre a vida, partidas e histórias contadas, ou não.

Ana Margonato
Jan 6, 2022
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A vida e a morte dançam juntas uma linda canção #47

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Amanhã,

Dia 27 de dezembro de 2021. Logo pela manhã, estava lendo algo na internet e de repente me vi deslizando o dedo no site do Jornal O Globo, olhando imagens de pessoas que morreram durante o ano, aqueles momentos em que se vai parar em uma página qualquer sem nem saber como. Enfim, lá estava eu, sem nem saber porque, até o momento em que vejo a foto de Joan Didion. Achei que estava entendendo errado do que se tratava aquela lista, Joan estava viva, afinal. Corri no Google pesquisar sobre ela e fiquei em choque. Joan havia morrido dia 23 de dezembro de 2021. E eu, não estava sabendo, não até aquele momento.

Em 2021 li seus livros mais conhecidos no Brasil, O ano do pensamento mágico e Blue Nights e também me presenteie de natal com o livro O Álbum Branco, escrito por ela entre 1976 e 1978, mas traduzido e publicado no Brasil apenas em 2021. Ia lê-lo neste recesso mas achei demais para um ano só. Resolvi guardar Joan para 2022. Me alegrava saber que uma autora que tanto admiro ainda respirava. Saber de sua morte postumamente me chateou muito, como se eu a conhecesse e ela tivesse se sentido ofendida com o meu atraso, lá do além. Fiquei reflexiva e por razões que não sei explicar, além da sua morte em si, meu dia ficou mais cinza, como se algo estivesse fora do lugar e não tivesse nada que eu pudesse fazer para concertá-lo.

Tentei desvendar minhas inquietudes. Faço isso sempre que me resta energia para além das nuvens acinzentadas. Joan era uma escritora que falava sobre acontecimentos cotidianos da forma mais formidável que já li. Me apaixonei pela sua escrita de cara, uma espécie de conexão. Tenho este mesmo sentimento com os escritos de Maya Angelou, sinto que faço parte de alguma forma daquele aglomerado de palavras e me sinto conectada a autora, bell hucks me gerava esta mesma sensação e partiu pouco antes de Joan. Talvez tenha sido o sentimento de vazio causado pela ausência. Talvez ainda o clichê deste fatídico ano. Eu simplesmente não estava sabendo lidar com mais uma perda. Mas não era mais uma perda. Era Joan Didion.

Você deve estar se perguntando porque raios estou falando da morte de Joan Didion em minha carta inaugural de 2022. Também me questionei isto amanhã e, honestamente, não sei lhe dizer. Fiquei durante este recesso sem escrever no meu caderno diário. Coisa inédita. Faz bastante tempo (acho que uns 2 anos) que iniciei esta prática e, tirando períodos de hiatos não programados, eu não havia ficado sem escrever por estar “de férias”, senti que deveria pausar mesmo minha rotina e assim o fiz. Mas acho que algumas coisas não colocadas no papel se fixaram em mim e não falar sobre os sentimentos que transbordaram ao saber da morte de uma das escritoras favoritas do meu mundo me levou a inconscientemente trazer o que me transborda para cá, nesta humilde carta que nem sempre é objetiva, que nem sempre tem um propósito, mas sempre retrata genuinamente o que me afeta e me move.

Quando assisti o documentário sobre a vida de Joan, ficava pensando se ela ainda escreveria mais algum livro, o que teria ainda para nos trazer antes de sua partida (já que estava um tanto quanto debilitada por seus problemas de saúde). Viver no mesmo tempo que uma autora é esperar no mistério, tudo que ainda pode nos surpreender. Ler autoras que já partiram é usufruir do mistério revelado, é eternizar as palavras que não as deixa morrer.

Entendi que minha reflexão era para além da morte. Era sobre o que fica. Joan Didion partiu. Suas obras ficaram. Aos que lhe eram próximos, o afeto e as histórias para contar também. Todos temos histórias para contar, mesmo que não sejam contadas por ninguém. Um ano novo se iniciou e, embora seja apenas um calendário criado pela nossa espécie, é uma forma de contar o tempo, é uma forma de determinar tempo e espaço onde se vive e quem sabe, se conta o que viveu.

Os tempos andam difíceis, eu sei, e não quero bancar aqui a esperançosa good vibes, mas um novo ano chegou. Talvez seja possível viver sonhos. Talvez coisas surpreendentes aconteçam. Afinal, é o que desejo. O que seria a vida sem seus enredos não programados? Provavelmente algo chato de se colocar em um livro.

A vida e a morte dançam juntas uma linda canção. Quero escrever a letra para não esquecer. Quero escrever para lembrar o que vivi. Quero escrever para ser lembrada, depois que partir.

Com curiosidade e afeto,

Ana.

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