Cartas para o amanhã

Share this post

Analogia a parte #61

anamargonato.substack.com

Analogia a parte #61

Sobre os mares que habitamos e as ondas que vem e v

Ana Margonato
Apr 21, 2022
2
2
Share this post

Analogia a parte #61

anamargonato.substack.com

Amanhã,

São quase 22hs de quarta-feira e cá estou, pela primeira vez, lhe escrevendo a noite. Parece banal, mas eu não funciono no mundo da escrita depois que o sol se põe. Sou do dia, adoro acordar quando todos ainda dormem e qualquer evento que ocorra depois das 21hs é bem provável que eu não esteja lá. Mas a rotina não tem dado as caras por aqui, todo dia algum acontecimento que muda os planos, e eu, depois de muito relutar, estou aprendendo a me entregar.

Tenho pensado na vida como um vasto oceano. Tem de tudo, desde águas calmas e cristalinas a tormentas com ondas de dar calafrios. Peixe bonito e horroroso, minúsculos e os maiores seres do planeta. Tudo isso dentro de uma gigantesca bacia de água salgada.

Eu, estou no meu barquinho, subindo e descendo as ondas. Na maior parte do tempo me esquecendo que essa água um dia vai desaguar e eu vou botar os pés em terra firme. Me esquecendo que a mortalidade me acompanha e que cada minuto nesse sobe e desce é um minuto a menos nesse sobe e desce.

Analogia a parte, tenho realmente tentado olhar para os sobe e desce, enquanto eles estão acontecendo. Aprendendo a ver beleza nas mudanças. Em uma semana a rotina está fluindo, a atividade física acontecendo, o prato colorido, a criança cooperando. Em outro, meio que sem entender como é que seu barco foi parar ali, você está com cara de quem foi atropelada por uma manada de Gnus, comendo praticamente farinha branca do café da manhã ao jantar e sua criança botando para fora a irritação de três ursos selvagens.

Acontece. As ondas mudam. A vida não é estática. Mas então porque a gente fica procurando onde foi que erramos? Buscando uma explicação. Onde foi a derrapada do barco que lhe fez chegar até ali. Isso nos tira muito, inclusive a energia para passar por esses dias na sua forma real. Uma onda que assim como chegou, logo se vai.

Tenho pensado nisso tudo na tentativa de abraçar o caos quando ele chega. Porque se tem uma coisa que a gente já sabe mesmo sem ser a Mãe Diná, é que ele chega, hora ou outra essa onda aponta lá no horizonte e tentar a todo custo fazer com que ela passa logo talvez não seja a melhor opção. Ao menos não para a saúde mental.

Entrega. Talvez seja esta a palavra chave. Mesmo não sendo o que queria. Mesmo saindo totalmente dos planos. Se prostrar diante do que está dado. Tenho experimentado viver isso, mesmo que ainda bem timidamente. Estar aqui, quase 23hs de uma véspera de feriado lhe escrevendo, tem tudo a ver com essa entrega. Me permiti fazer coisas “não importantes” porque eram elas que me gritavam, mesmo que por consequência, a minha escrita tenha que ser inovada e me coloque em lugares que nunca estive.

Isso não tem nada a ver com romantizar a dor de alguém. Aceitar dores que não lhe pertencem. Cada um sabe dos efeitos que as ondas do seu oceano particular e coletivo lhe causam, cada um sabe onde aperta seu calo. Meu convite aqui é, diante do inevitável, se entregue de corpo e alma, se possível for.

Com curiosidade e afeto,

Ana.

2
Share this post

Analogia a parte #61

anamargonato.substack.com
2 Comments
Fernanda Misumi
Writes Miudezas Diárias
Apr 21, 2022Liked by Ana Margonato

Acho que se entregar diante do caos é um baita desafio. E eu sofro bastante pra fazer isso. Não é fácil, mas é mais agradável aproveitar a viagem, ainda que tormentosa, do que agoniar o caminho inteiro.

Expand full comment
Reply
1 reply by Ana Margonato
1 more comment…
TopNewCommunity

No posts

Ready for more?

© 2023 Ana Margonato
Privacy ∙ Terms ∙ Collection notice
Start WritingGet the app
Substack is the home for great writing