Analogia a parte #84
Sobre os mares que habitamos e as ondas que vem e vão
Querida(o)s leitores. Escrevo esta introdução enquanto espero pela 55478 vez o termômetro apitar e me avisar se teremos ou não mais uma ida ao hospital com a criança que mal se recupera de um resfriado/dor de garganta, pega outra coisa. Alguns dias são de glória, muitos outros de luta. Não tive tempo, muito menos cabeça para escrever esta semana (já que eu também adoeci nesse meio tempo, alô imunidade, quando tu volta querida?). Lendo edições antigas encontrei uma que conversa tanto com este momento que estamos vivendo aqui que achei por bem republicá-la.
Espero que ela chegue até vocês de alguma forma e que estejam toda(o)s bem.
ps: Uma introdução quase carta porque né, essa sou eu.
Amanhã,
São quase 22hs de quarta-feira e cá estou, pela primeira vez, lhe escrevendo a noite. Parece banal, mas eu não funciono no mundo da escrita depois que o sol se põe. Sou do dia, adoro acordar quando todos ainda dormem e qualquer evento que ocorra depois das 21hs é bem provável que eu não esteja lá. Mas a rotina não tem dado as caras por aqui, todo dia algum acontecimento que muda os planos, e eu, depois de muito relutar, estou aprendendo a me entregar.
Tenho pensado na vida como um vasto oceano. Tem de tudo, desde águas calmas e cristalinas a tormentas com ondas de dar calafrios. Peixe bonito e horroroso, minúsculos e os maiores seres do planeta. Tudo isso dentro de uma gigantesca bacia de água salgada.
Eu, estou no meu barquinho, subindo e descendo as ondas. Na maior parte do tempo me esquecendo que essa água um dia vai desaguar e eu vou botar os pés em terra firme. Me esquecendo que a mortalidade me acompanha e que cada minuto nesse sobe e desce é um minuto a menos nesse sobe e desce.
Analogia a parte, tenho realmente tentado olhar para os sobe e desce, enquanto eles estão acontecendo. Aprendendo a ver beleza nas mudanças. Em uma semana a rotina está fluindo, a atividade física acontecendo, o prato colorido, a criança cooperando. Em outro, meio que sem entender como é que seu barco foi parar ali, você está com cara de quem foi atropelada por uma manada de Gnus, comendo praticamente farinha branca do café da manhã ao jantar e sua criança botando para fora a irritação de três ursos selvagens.
Acontece. As ondas mudam. A vida não é estática. Mas então porque a gente fica procurando onde foi que erramos? Buscando uma explicação. Onde foi a derrapada do barco que lhe fez chegar até ali. Isso nos tira muito, inclusive a energia para passar por esses dias na sua forma real. Uma onda que assim como chegou, logo se vai.
Tenho pensado nisso tudo na tentativa de abraçar o caos quando ele chega. Porque se tem uma coisa que a gente já sabe mesmo sem ser a Mãe Diná, é que ele chega, hora ou outra essa onda aponta lá no horizonte e tentar a todo custo fazer com que ela passa logo talvez não seja a melhor opção. Ao menos não para a saúde mental.
Entrega. Talvez seja esta a palavra chave. Mesmo não sendo o que queria. Mesmo saindo totalmente dos planos. Se prostrar diante do que está dado. Tenho experimentado viver isso, mesmo que ainda bem timidamente. Estar aqui, quase 23hs de uma véspera de feriado lhe escrevendo, tem tudo a ver com essa entrega. Me permiti fazer coisas “não importantes” porque eram elas que me gritavam, mesmo que por consequência, a minha escrita tenha que ser inovada e me coloque em lugares que nunca estive.
Isso não tem nada a ver com romantizar a dor de alguém. Aceitar dores que não lhe pertencem. Cada um sabe dos efeitos que as ondas do seu oceano particular e coletivo lhe causam, cada um sabe onde aperta seu calo. Meu convite aqui é, diante do inevitável, se entregue de corpo e alma, se possível for.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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Ana, sua escrita é tão atravessadora <3 Mergulhei nesse seu oceano pensando que as águas são coletivas. Nas nossas particularidades, também nos misturamos com as tempestades que só parecem mudar de endereço. Amo, amo demais relacionar a escrita com a natureza e tem gostado de te acompanhar na medida do tempo nem sempre do seu envio hehe, mas qndo rola, é tão prazeiroso, continue.
apaixonado por esse texto! estou em um momento de muuitas mudanças pessoais, das maiores pelas quais já passei. e frequentemente percebo estar me julgando por não "ter saído do lugar".
seu texto me fez pensar sobre como mesmo nos momentos em que parecemos estar estagnados, parados, ou mesmo com o barco ancorado, a água do mar está sempre fluindo, nos jogando sempre rumo ao desconhecido. o mar nunca é o mesmo. tampouco nós continuamos os mesmos.
talvez nada mais importante do que aceitar e abraçar esse vai-e-vem, sobe-e-desce, avança-retrocede.
obg <3