Amanhã,
Imagina alguém inventar algo que nomeou “aparelho de ser inútil”. Um aparelho com manivelas, peças que giram de um lado para outro, porém, sem serventia alguma. Vi este aparelho em um documentário sobre a vida e obra de Manoel de Barros e fiquei encantada. Certamente eu seria uma potencial compradora deste “produto”. Penso com frequência sobre a utilidade das coisas e admiro quem usa da criatividade para subverter a ordem imposta.
Quem determina o que é útil? Quais os critérios utilizados para precificar o que fazemos? Isto se aplica para tudo não? Somos colocados como mercadoria neste sistema maluco e o que cada um produz passa pela esteira da utilidade, a qual costuma ser bem cruel com quem utiliza as palavras como oficio.
A arte, num geral, passa por esta esteira de forma bem caótica. Talvez caos não seja exatamente a definição, tem toda uma explicação para o fetiche da mercadoria, mas essa carta ficaria meio tediosa se eu me esgueirasse por este lado. Resumo dizendo que sim, tem critérios nesse raio de capitalismo que faz uma obra de arte feita por fulano valer milhões e algo muito similar feito por ciclano valer, nada.
Não quero me abster a falar de como o sistema se utiliza do que fazemos para dar valor as coisas. Quero falar do que ele faz conosco. As manobras que realiza até minguar nossos critérios de valores pautados na beleza que é ser humano e capaz de produzir tanta coisa bonita.
Quando criança, o encanto com o pássaro que pousa ali, bem na nossa frente é quase certeiro. O brinquedo feito de garrafa jogada, o passeio no parque do ladinho de casa. Não precisa muito para ser feliz, é o que dizem da infância. Já adultos, dificilmente isto se aplica. E que fique claro que não estou aqui romantizando a pobreza ok, não falo de acesso a direitos básicos, de ter uma vida digna, isto é o que todo mundo deveria ter. Meu papo aqui é sobre elas, as pequenezas da vida. Que são vistas quando deixamos de lado o critério de valor imposto pelo capital.
Manoel de Barros é um professor e tanto nesta matéria de viver pelo prazer de viver. Sem lista de coisas úteis, sem metas de sucesso e poder aquisitivo para comprar cada vez mais coisas úteis, falava das pequenas coisas sem pretensão de dar utilidade, mas vida. Há de se ter neste curto espaço de tempo que neste planeta permanecemos, maiores oportunidades que nos afugente de ser alguém útil, fazendo utilidades, a disposição do utilitarismo do viver.
A utilidade das coisas deveria ser valorada pelo quão inútil aquilo pode ser. Uma poesia pode valer muito mais do que um shopping todinho. Um brinquedo feito de tampinha de garrafa, mais interessante que os brinquedos da loja famosa. Porque útil mesmo é aquilo que não precisa ser.
Com curiosidade, afeto e sem pretensão de qualquer utilidade,
Ana.
Se gostou desta carta leia também: https://anamargonato.substack.com/p/cartas-para-o-amanha-futil-para-quem?r=9vvad&s=w&utm_campaign=post&utm_medium=web
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Sem querer dar spoiler, mas o livro deste mês ( O impulso da Ashley Audrian) do Dialeto Materno está fazendo um sucesso e tanto entre as participantes do clube. Se ainda não se inscreveu para o encontro de agosto, corre que logo terminam as inscrições.
"Uma poesia pode valer muito mais do que um shopping todinho." - só li verdades!