Aqui, agora #94
Escrevo esta carta para não me esquecer.
Amanhã,
Enquanto escrevo esta carta ouço ao fundo minha filha de 4 anos dentro de sua barraca de super-herói, repetindo afirmações positivas de um podcast de meditação para crianças que ela gosta de ouvir. Está na fase em que muitos medos surgem, se fazem quase que materializados em sua frente e busca, ao seu modo, lidar com tudo isso e eu, assisto, num misto de admiração e deslumbramento.
Ouço ela repetir junto com a narradora “sou forte, saudável e corajosa”. A criança que me habita sorri e eu, sorrio junto. Olho para meu mural de lembretes, que fica bem em frente à minha mesa de trabalho e leio um trecho do amuleto criativo que a Tassia Rebelo fez para mim: “Criar em torno de uma história do passado e emoldurar o que vivemos para decorar a sala do presente. Mas também tem algo de melancólico sobre o passado – por mais que o emolduremos, ele não volta”.
Sem controle algum, as lágrimas chegaram rápido e resolvi me entregar. Sim, eu estava no presente, vivendo tudo ao vivo, porém, toda vez que vivo esses momentos que gosto de chamar de “encanto da vida” eu me imagino bem velhinha lembrando deles e imagino ainda o que provavelmente sentirei: Uma vontade gigante de viver tudo novamente, prestar mais atenção aos detalhes, guardar em mim os cheiros e a vivacidade de tudo que um dia esteve diante de meus olhos.
Correndo o risco de parecer aqui uma jovem mística, confesso que penso muito na minha versão senhorinha, não por medo da morte (tá, talvez um pouco, ou muito, quem vai saber), mas porque tenho medo de não aproveitar a vida, não me lembrar desses dias, em que minha filha lidava com seu medo de forma fantástica e era lindo de assistir.
Tenho muito medo de não ter a oportunidade de me tornar uma senhorinha que não lembra do passado, mas tenho mais medo ainda de “chegar lá” e sentir no peito um grande vazio. Isso por vezes me faz respirar fundo e sentir o aqui, agora. Escrevo esta carta para não me esquecer, do dia que minha filha enfrentou sozinha seus medos, do dia que me atentei ao meu entorno e guardei no peito tudo isso, na caixinha de preciosidades.
Criar em torno das histórias do passado é a minha sina e após muitos recados do universo, resolvi aceitar e fazer disto o meu deleite, a minha crença nas palavras e a minha força nos pés para seguir adiante. Crio hoje a minha história, enquanto conto histórias já criadas e prontas para se tornarem um emaranhado de palavras. Quem sabe o que tudo isso vai se transformar lá no futuro?
Provavelmente uma outra história, com sorte, contada por mim.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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A vida cobra tanto da gente na batalha diária que acabamos por negligenciar esses momentos mágicos... Sua carta me fez chorar também...
que delícia de carta, amiga! eu penso muito em momentos presentes "imagina quando eu for velhinha lembrando deste dia aqui que fizemos biscoito, todos juntos" hahaha.