Cartas para o amanhã - Aos trancos e barrancos - Escrita e maternidade # 17

Amanhã,
Escrevo essa carta sem o modo rascunho, está saindo assim, na lata, direto no papel usando a caneta sem a opção apagar. Às vezes o caos impera e sinto que se rascunhar muito o que pede para se escrever acaba virando só intenção. Carreira e maternidade tem muito disso, nem sempre (pra não dizer na maioria das vezes) consigo conciliar, uma das duas sempre é deixada de lado para que a outra vai se fazer presente e manusear essa balança as vezes é cansativo e exige mais do que consigo dar.
Poderia falar aqui horas sobre a construção social do trabalho reprodutivo, a maternidade e o cuidado como responsabilidade total da mãe etc, mas sinceramente, hoje estou demasiadamente cansada para isso. Acho que não é novidade para ninguém que a mulher é o centro do cuidado humano na sociedade patriarcal em que vivemos e que isso afeta profundamente o desenvolvimento da carreira de uma mulher que decide também ser mãe. Tentam a todo custo romantizar isso? E como, empreendedorismo materno está aí para provar.
A real é que não é novidade isso, mas o "é assim mesmo" impera e toda e qualquer tentativa de expor o quão rápido é aprisionador esse papel de mãe perfeita que nos é jogado no colo junto com o bebê parece mais um texto desabafo de mães cansadas do que uma abertura de diálogo para algo que precisa urgente de mudança.
Certamente que tudo isso é uma construção social e não dá para culpabilizar individualmente como pessoas por não possuírem um olhar crítico sobre essa estrutura, mas precisamos dialogar sobre e buscar os meios que nos leve à mudanças, ou seja, política, tudo é política, maternidade então, é intrinsicamente política e a romantização das opressões é uma forma de nos fazer esquecer.
Enfim, para quem não queria discorrer muito sobre os problemas que assolam a maternidade acho que já falei um bocado. Esses são os primeiros parâmetros que consigo escrever em quase uma semana e decidir que sairia da forma que fosse possível pois a possibilidade de passar um dia sem exercer outro papel que não a mãe e senhora do lar (contém ironia) me amedronta e sufoca .
Pode parecer um texto escrito intencionalmente por ser semana do dia das mães, mas não é, não sou muito boa com esse negócio de dados e dia das mães não é exatamente um símbolo que eu goste de exaltar, acho uma data bem problemática e confesso que acho bem legal a iniciativa de escolas como a dança da minha filha que não comemora como dia das mães, mas da família, exaltando o cuidado independente de títulos, afinal família não precisa ser a família margarina ao meu ver, mas isso é papo para outra hora.
Encerro essa carta como uma forma de lembrete a mesma. Existo, e muito, para além da maternidade, escrevo com criança grudada nas pernas? escrevo. Pausei esse texto para levar criança ao banheiro e colocar asas de fada? Pausei, mas continuo me vendo para além desse papel que hora me expande, hora me aprisiona e em todos os momentos não me definir pois um ser humano é muito mais do que os papeis que exerce.
Aos trancos e barrancos a maternidade e escrita se fazem presentes na minha existência e mesmo sem saber para onde minhas escolhas me levam, tenho tentado encontrar na jornada a minha motivação e encanto.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Ps: Você que leu esse texto e ficou afim de dialogar sobre, me diz! Amo os diálogos que surgem a partir desse espaço aqui.
Curtiu o texto?
Encaminha para aquela mãe que certamente vai se identificar com essa ambivalência toda que é existir para além da maternidade.

Me encontre em outras redes: https://www.umcontocontadopormim.com.br/ https://www.instagram.com/umcontocontadopormim
Para ler as edições anteriores: https: //tinyletter.com/anamargonato/archive
* Todos os direitos reservados