Cartas para o amanhã

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Cartas para o amanhã - Cultivando o afeto # 14

anamargonato.substack.com

Cartas para o amanhã - Cultivando o afeto # 14

Ana Margonato
Apr 15, 2021
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Cartas para o amanhã - Cultivando o afeto # 14

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Amanhã,
 
Já se sentiu uma farsa? Eu ando me sentindo uma com mais frequência do que sou capaz de admitir. Em meio a esta montanha russa de sentimentos que estamos vivendo, não me ver através de meus olhos tem se feito presente e falar sobre isso parece uma boa forma de me encontrar.

Sinto-me uma farsa toda vez que uso da minha gentileza para com alguém querido ouvindo sobre os desafios que tem vivido e as formas que tem encontrado para conviver com suas dores.

Sinto-me uma farsa toda vez que ensino minha filha a respirar fundo para diminuir a ansiedade e falo da importância de ser gentil consigo mesma.

Sinto-me uma farsa toda vez que digo para alguém que encontro no supermercado (único local que frequento hoje em dia e a cada 15 dias) que estou bem e que estou vivendo tudo isso da melhor forma possível.

Está mesmo? Uma voz insistente e chata (não estamos na melhor fase do nosso relacionamento) me questiona, seria isso o melhor? Continua mesmo sem qualquer demonstração minha de interesse nessa conversa.

Respiro profundamente e resolvo responder, sei que é nessa oportunidade que me sinto mais uma vez, alguém que não sou, e quem eu seria então? Me pego já em outra indagação antes mesmo de responder o interrogatório anterior. A agitação que tanto me incomoda chega e me vejo mais uma vez dominada pela ansiedade, inquilina indesejada que alega ter direito à residência por mais alguns meses antes que o contrato se encerre. 

Nego a mim aquilo que oferece ao outro e por isso, me sinto uma fraude a mim mesma, sinto-me enganada pelo amor que um dia jurei me dar e, como alguém que há tempos não se olha no espelho, sinto não ser a presença que deveria ser na minha própria vida. Em meio à tamanha insanidade pela qual vivemos nesse momento, deixo o cuidado de minhas raízes como 15º item na lista de não prioridades e quando digo que estou vivendo tudo isso da melhor forma possível, sei que talvez, isso não seja tão verdade assim.

Pode ser que eu esteja sendo dura demais comigo amanhã, talvez. Não sei se seria apropriado mergulhar tamanha profundidade de si mesma em meio a um cenário pandêmico como este, não sei, pode ser que haja ai uma contra indicação, melhor ler a bula toda. A verdade é que, aquilo que oferto ao mundo nem sempre trago a mim com a mesma intensidade e generosidade e isso é algo que precisa de um olhar atento e coração aberto. 

Acompanhei nessas últimas semanas a recuperação de um pé de poejo que estava praticamente paciente terminal e, após receber o tratamento compatível, foi dia a dia se recuperando até que agora já se mostra pronto para seguir em frente e viver o melhor da vida.

Mas foi preciso cuidado. Foi preciso à quantidade certa de água, sol na medida certa e um pouco de afeto. Assim como as plantas, não florescemos diante de condições não favoráveis, não espalhamos nossas raízes sem cuidar da base. Ofertar primeiro a si o melhor que tem a oferecer é para além do nutrir, é um gesto de amor e coisas desse tipo costumam transformar pessoas e expandir o afeto, porque é isso, aquilo que ofereço a mim com generosidade se multiplica e chega até o outro ainda maior.

Conto-lhe tudo isso para que eu não me esqueça da importância do nutrir, das transformações que o afeto causa e da potência que é se acolher e permitir se amar diante das imperfeições.

Que eu transforme a farsa em verdade e que, mesmo que ela não seja o que de mais agradável se possa querer, seja o meu melhor de mim para mim. E que isso baste.

 
Com curiosidade e afeto,
 
Ana.


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Para ler as edições anteriores: https: //tinyletter.com/anamargonato/archive

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