Cartas para o amanhã - Era mais um dia normal....#09

Amanhã,
Tenho entrado no meu casulo com mais frequência do que o “normal”. Tanto pelo o que tem acontecido no externo, no que está para além de minhas fronteiras, quanto o que se movimenta dentro de mim, o pulsar é forte e intenso e muitas vezes só o silêncio dá conta de me auxiliar.
E leitura. Tenho lido muito (para meus parâmetros, claro), bem mais até do que antes da gravidez, afinal, filho e a falta de tempo para coisas que fazia antes é praticamente sinônimo. Não que a criança seja responsável pelas coisas que você deixa de fazer, esse alguém é a gente mesmo, é complexo definir todas as razões, tanta coisa muda após a chegada de um bebê que eu sinceramente acho que é praticamente impossível continuar seguindo a mesma rotina de antes. Nada é igual, e a gente muda um bocado no processo, o que eu particularmente vejo com bons olhos, mudança pode levar a muita coisa boa, inclusive encontrar o que fazia na fase pré-filhos que realmente representa você, lhe faz bem e traz um tom de leveza para essa nova dinâmica familiar e de vida. Descobri nessa mudança toda que a leitura tem um papel bem mais importante do que imaginava e me ver exercendo algo que me nutre muito e trás além de conhecimento, satisfação.
Mas não é sobre hábitos de leitura que quero falar e sim sobre o que ando lendo. Não me pergunte por qual razão em pleno março de 2021 estaria eu lendo um livro que narra todo um processo de luto da perda de um ente querido. Estranho né, eu sei, mas posso explicar, o livro é de ninguém menos que Joan Didion, “O ano do pensamento mágico”, nas suas 237 páginas de histórias narradas com a escrita de uma das escritoras mais brilhantes que já li, Joan narra eventos, memórias e reflexões sobre a vida após a partida de alguém, assim como todos os detalhes que deixamos passar quando nos esquecemos que um dia esse alguém pode não estar mais ao nosso lado.
Sua escrita me tocou tanto que serviu de inspiração para uma das crônicas que escrevi para o meu livro que está no forno “Um final de semana qualquer”, onde narro o acontecimento de fatos marcantes, tristes e acredito eu, traumáticos, em minha vida. Em seu livro, Joan narra com riqueza de detalhes à noite em que seu marido morreu de infarto em meio ao jantar.
“Você se senta para jantar.
E então.... não mais”.
Dentre tantas reflexões que tal leitura me causou, a maior delas foi essa nudez da realidade, a retirada da certeza de que estamos aqui eternamente, porque afinal, é isso, vivemos como se nunca fossemos partir. O jantar que não mais existirá, a cama que não será mais arrumada daquela maneira, à roupa que não estará mais jogada encima da cama como se ali fosse sua morada. Não que seja legal ficar pensando a todo o momento que podemos partir no próximo segundo, mas talvez pudéssemos estar um pouco mais cientes disso.
“Era mais um dia normal....”
Quantos dias normais não me escorrem pelas mãos por serem normais demais para ganharem minha atenção....
Quantas coisas eu faria diferente se tivesse plena consciência da minha breve existência?
E você, faria algo diferente?
Me conta!
Com afeto e curiosidade,
Ana.

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