Cartas para o amanhã - Nossos filhos não são nossos # 23

Amanhã,
Qual aprendizado já vivenciou que, embora tenha expandido seu olhar diante da vida, foi bastante indigesto de vivenciar? O meu, foi e tem sido a maternidade. Não me entenda mal, a maternidade foi um dos propulsores de maior revolução na minha vida, desde o dia em que me vi gerando outra vida, tive a minha revirada ao avesso e isso muda muito a gente de uma forma difícil de explicar às vezes.
Ser guia na vida de um pequeno ser é algo tão grandioso que ao menos por um tempo é possível sentir que, àquela criaturinha que se apresenta na sua frente é uma parte sua, uma extensão de você e, portanto, sua posse. Não que parte disso não tenha aí um bocado de verdade, nossos filhos carregam mais coisas nossas do que somos capazes de enxergar, muitas vezes partes que não gostaríamos que tivessem sido replicadas, mas é isso, são apenas partes, que compõe a essência, a singularidade e o grande universo que é único, de cada ser humano.
Nossos filhos não são nossos, no sentido mais metafórico da palavra. Me vi refletindo sobre isso quando percebi essa sensação de posse em mim, a vontade de controlar os passos, conduzir as relações, ser presença em espaços que visivelmente não me cabiam. Um sentimento de cuidado que, sem perceber, pode tornar-se em demasiado poder.
Isis tem se colocado cada vez mais no mundo, criado relações diversas com aqueles que a rodeiam e me ver como não necessária ou se quer desejada em várias delas foi o que moveu em mim essa reflexão. Numa mistura de incomodo com orgulho de vê-la voar, percebi que aquilo que não me agradava era a sensação de exclusão, não ser necessária em todos os momentos parecia um ultraje.
Quando me deparei com este sentimento, percebi que tudo girava em torno de um nada modesto sentimento de insegurança e uma criança interior ferida. No fundo, vê-la se colocar no mundo e criar caminhos que se estendem para além de minhas asas é potência pura e me gera muita admiração. O incomodo vem daquela menina, que por muitas vezes se viu invisibilizada e, sem que haja aviso, ela se apresenta e se coloca nesta posição novamente.
Tenho mergulhado nesses incômodos e desenvolvido um diálogo com esta criança, mostrando que as relações da Isis não dizem respeito a nós, mas a história que ela está construindo e que, até a temporada atual, está linda de assistir. Entre tantas trocas, acolhimento e lágrimas que se juntam nesse emaranhado, tem também cura e muito aprendizado.
Participar tão de perto do desabrochar de outro ser é uma experiência e tanto, me vejo revirada em reflexões, dores, alegrias e curas todos os dias e confesso que jamais imaginei que seria possível se modificar tanto assim.
Hoje me vejo mais humana, tenho entendido que não entendo de muita coisa e que a vida, e principalmente as crianças, me ensinam todos os dias sobre um bocado de coisas, das quais descobri estar bastante interessada em aprender.
Com curiosidade e afeto,
Ana.

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