Cartas para o amanhã - É solitário mudar # 34

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Amanhã,
Você acredita que cada pessoa escolhe, individualmente, os caminhos que vai seguir? Eu, não acredito. A psicologia social nos diz que o homem é um animal que depende de interação para receber afeto, cuidados e até mesmo para se manter vivo, ou seja, somos seres sociais. A psicóloga Marlene Neves Strey, em seu livro Psicologia Social Contemporânea nos diz que, o indivíduo, ao nascer “encontra-se num sistema social criado através de gerações já existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”. O que quer dizer que, precisamos nos relacionar com outros seres humanos e esta relação faz parte da formação de cada indivíduo enquanto pessoa e enquanto membro de uma sociedade.
Comecei esta carta com este aparato da psicologia social porque sei que nem sempre é muito bem-vinda a ideia de que nossas escolhas não são tão nossas assim. O meio em que vivemos, desde o nosso nascimento determina muito quem somos e as escolhas que fazemos e, quando há um rebuliço interno de mudança, que muitas vezes vai contra princípios e valores que permeiam a nossa base, por assim dizer, é um processo que envolve tantos sentimentos, sendo a solidão um deles.
Estar envolto no seu grupo social é sinônimo de acolhimento, pertencimento. Se mostrar diferente ou com desejo de mudança pode parecer uma ameaça e muitas vezes, interpretado como ingratidão. Nisso, muitas pessoas vivem uma espécie de prisão, na qual a sua escolha tem um peso muito grande, mudar e ser invalidado, criticado e consequentemente inundado pelo sentimento de inadequação ou continuar desempenhando o papel que lhe foi atribuído e ser elogiado e “recompensado” com a aprovação do seu grupo social.
Não à toa, a instituição família é descrita por muitos psicólogos como uma instituição reguladora e, por isso, tão conservadora. Pessoas no poder utilizam desta “ferramenta” inclusive para moldar a sociedade de acordo com seus interesses.
Adentrando no meu campo pessoal, tenho a algum tempo, escolhido sentir a inadequação, embora tenha, por muito anos, preferido ser “recompensada” pela aprovação. Não julgo ninguém pelas escolhas feitas nesse campo, acredito que em cada fase da nossa vida temos repertórios diferentes e isso determina muito a forma como conseguimos lidar com o nosso grupo social. É preciso, para além de coragem, entendimento e apoio de outras pessoas, para escolher trilhar um caminho diferente do que lhe foi determinado pelo meio em viveu até então.
A solidão é companhia, fato, mas a presença de pessoas que acreditam no caminho que lhe faz mais sentido é primordial. Eu não teria conseguido escolher o caminho da inadequação e sentimento de não pertencimento sem ter pessoas que segurassem a minha mãe nos momentos em que começava a acreditar que minhas escolhas estavam erradas. Acreditar na gente mesmo requer prática, requer afeto, requer ousadia.
Acredito que a solidão seja parceira no processo de autoconhecimento. O sentimento de solidão gera movimentos internos que muitas vezes é o combustível que precisamos para mudar a rota. Mas não deixa de ser incômoda, de cutucar os hematomas deixados pela vida, de revirar outros sentimentos que sequer havíamos notado a presença, não deixa de ser dor.
Me sentir solitária nos caminhos que venho escolhendo não me remete mais a solidão no sentido literal da palavra, mas na solitude, ao escolher para onde quero ir, na ausência da culpa oculta que muitas vezes nos leva a decisões que não são nossas, que não nos representam.
As escolhas continuam sendo influenciadas pelo meio em que vivo, afinal, sou um ser social, mas encontro nelas uma consciência maior, uma análise do que acredito ou não, do que banco ou não, do que me faz bem ou não. Não acredito que eu, sozinha, sem influência alguma, vá escolher meu caminho algum dia, mas acredito que eu possa conseguir evitar vários, e isso me parece bastante coisa.
A solidão e as mãos estendidas podem ocupar o mesmo espaço, hoje eu sei.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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