Cartas para o amanhã

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Cartas para o amanhã - Casulo #42

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Cartas para o amanhã - Casulo #42

Cartas, enviadas ao amanhã, todas as quintas-feiras.

Ana Margonato
Nov 18, 2021
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Cartas para o amanhã - Casulo #42

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Amanhã,

O silêncio tem me acometido, ou arrebatado, não sei ao certo qual seria a melhor terminologia. Sem motivo que explique ou justifique, simplesmente me vejo necessitando da ausência do outro, das conversas profundas, do trivial. Eu que sempre fui bastante comunicativa, que sempre troquei mensagens com muitos amigos, me vejo optando por me calar.

Bastava um “oi, tudo bem? ”, que já me pegava cinco minutos depois divagando sobre o sonho que tive semana passada. Aí, do nada, ou depois de viver isolada por tanto tempo devido a um vírus mortal que já matou e mata muita gente, ou quem sabe ainda, depois das tantas viagens que tenho feito nos meus mares, me vi optando por não falar.

Tenho uma amiga muito querida. Convivi com ela diariamente durante minha gravidez toda, uma fase de transição muito importante na minha vida. Ela estava ao meu lado, vivendo as transições dela também e, mesmo que nossa amizade não fosse de longa data, aquela vivência nos trouxe uma espécie de conexão peculiar, quase uma irmandade das futuras borboletas.

Ela não havia respondido minhas três últimas espaçadas mensagens. Acordei pensando nisso. Não era do feitio dela ignorar mensagens, ao menos não aquela pessoa que conheci anos atrás. Sem pensar muito, enviei já no raiar do sol uma quarta mensagem “Oi, você está bem? Algum motivo para estar ignorando minhas mensagens? ”, assim, na lata. Outra coisa que tem me acometido também. Tenho aprendido a usar da minha sinceridade, mesmo quando ela não é exatamente o que o outro gostaria de ouvir. Vigio para que não seja esta libertação uma justificativa para grosserias desnecessárias, mas também vigio para que ela não me abandone jamais.

Por um certo tempo até me esqueci da mensagem, nem me recordava mais da minha assertividade quando vi mensagens chegando. Suas respostas. Estava ocupada no momento, deixei para ler depois. Me contou sobre suas aventuras, viagens, sonhos e muitas outras coisas legais e eu fiquei ali, lendo tudo e tentando entender o que se passava dentro de mim. Amei tudo que ela escreveu, mas eu não sabia o que lhe responder. Eu não queria lhe responder.

Numa fração de poucas horas, eu me vi diferente. Não era ela. Não eram as três mensagens ignoradas. Era algo que eu não tenho nome para dar. Lhe conto tudo isso porque talvez você possa me ajudar amanhã. Ela havia respondido. Fui eu quem lhe cobrei um diálogo. Mas eu não queria mais conversar.

O que aconteceu nesse meio tempo. Haveria em mim partes que discordam? Que disputam para ver quem comanda? Talvez eu já tenha sentido tudo isso antes, só não tenha tido a oportunidade de observar. Eu, sempre tão polida, nunca me permiti não querer conversar. Respondia prontamente as mensagens que me eram enviadas. Me sentia útil em ajudar. Era a amiga simpática. Disponível. Onde essa garota foi parar?

Respondi brevemente, uma mensagem tão melancólica que ela, nem se deu ao trabalho de responder. Não a culpo. As relações são tão complexas, nem sempre conseguimos dar ao outro o que está implícito, talvez nem o outro saiba o que realmente precisa. Nem sempre é claro ao olho nu. Talvez eu também estranhasse alguém que parece querer conversar e, do nada, demonstra ter mudado de ideia. Me vi reclusa. É meio escuro aqui dentro, mas de alguma forma estranha, é um lugar bom de se estar. Nos tornamos amigas quando o sonho era voar. Existem etapas nesse processo e por alguma razão, é no casulo que agora quero ficar.

Um dia, eu viro borboleta.  

Com curiosidade e afeto,

Ana.

PS: Embora o casulo tenha sido minha casa, receber e-mails de vocês é uma felicidade sem tamanho, amo ler as percepções que vocês tem do que eu escrevo, por favor, nunca deixem de me escrever sempre que os dedos pedirem e a alma mandar.

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