Cartas para o amanhã - Meu grito, no meio da multidão #40
Amanhã,
Pensei seriamente em não lhe escrever esta semana, não por falta de assunto, mas talvez por falta de propósito. Me surpreendi um pouco ao ler os boletins atrasados e constatar que outras escritoras também estão sendo afetadas por este final de ano sufocante. Num misto de alívio e desespero, me encontrei nas palavras da Taís Bravo, quando diz estar se sentindo “desconectada da minha magia”, mais ainda nas palavras de Aline Valek ao dizer “É setembro de 2021 e eu não vejo mais sentido no meu trabalho”. Dani Morais disse “A gente quer tanto fazer uma coisa legal que acaba... não fazendo nada. Nem alguma coisa ruim sai”.
Seriam essas palavras todas um recado do universo? Fiquei pensando nisso. Se fosse, o que ele quer dizer? Desistência ou persistência? Tenho por mim que há de haver um limite de espera, um tempo máximo que a gente possa dar conta de esperar sua resposta. Começo a escrever loucamente após ler tantos relatos de fases em que a criatividade não se faz presente, achei estranho, peculiar talvez, nada do que escrevi teria coragem de publicar, às vezes escrevo com a alma, em uma parceria tão profunda que nem sequer eu, ouso ler.
Não acho que eu esteja vivendo um bloqueio criativo, mas um bloqueio de esperança, o que para mim, é praticamente a mesma coisa. Sou irritantemente esperançosa, daquelas pessoas que acreditam que coisas aparentemente impossíveis possam acontecer, talvez porque já tenham acontecido comido, talvez porque eu não acredite muito em coincidências, talvez porque eu não saiba viver de outra forma.
Mas este final de ano, deste fatídico ano, tem me abalado as estruturas, me feito questionar o sistema criado em minha cabeça sobre probabilidades e isso me deixa absurdamente introspectiva. Quando tentam me tirar a esperança, eu me volto para dentro para tentar descobrir de onde então, virá a minha força.
Não, esta carta não será uma nota sobre esperançar apesar de, às vezes a dúvida se instaura e tenho por mim que faz parte, mesmo que não goste. Escrevo, como se diz Clarice Lispector quando lhe perguntam porque escreve “E eu lá sei? ”.
Continuo escrevendo, com ou sem esperança, com propósito ou não, entendendo o que as palavras dizem ou apenas jogando no papel um emaranhado de lamúrias, dor e ilusão. Talvez não haja um motivo, apenas uma forma de existir no mundo, meu grito, no meio da multidão.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Se quiser ler os boletins na integra das escritoras que citei, os links estão logo abaixo.
https://tinyletter.com/taisbravo/letters/51-como-cultivar-magia-em-tempos-de-austeridade
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