Cartas para o amanhã

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Cartas para o amanhã - Não é só sobre dinheiro # 36

anamargonato.substack.com

Cartas para o amanhã - Não é só sobre dinheiro # 36

Ana Margonato
Oct 7, 2021
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Cartas para o amanhã - Não é só sobre dinheiro # 36

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Amanhã,

Não sei se já falei aqui que antes de ser escritora eu era advogada e trabalhava no mundo corporativo. Escrevo sobre minha história em tantas plataformas que as vezes me perco onde contei o que. Enfim, peço desculpas se estiver sendo repetitiva.

Deixei de lado o sonho de ser jornalista após anos prestando vestibular em universidades públicas e não obter sucesso. Muita água passou embaixo da ponte, foquei em me sustentar e emprego vai, emprego vem, fui trabalhar em uma Faculdade, consegui bolsa de estudos e dentre as opções de cursos que me foram oferecidos, Direito era o que mais me brilhava aos olhos. Fui estagiaria no Tribunal de Justiça, Centro de conciliação, Ministério Público, escritório trabalhista e por fim, fui para o mundo corporativo em uma grande empresa, onde trabalhei até o nascimento da minha filha.

Trabalhar no mundo corporativo nunca tinha sido cogitado por mim até conhecer algumas pessoas que trabalhavam nesse meio. Na época, o que mais me chamou a atenção foi o salário, absurdamente maior que o meu de estagiaria, decidi que trabalharia nesta empresa e coisas um tanto quanto milagrosas (conto esse causo em uma das crônicas do meu livro) aconteceram e lá fui contratada ainda no quarto ano da Faculdade.

Muita coisa aconteceu. Trabalhei com muitas pessoas, aprendi muito, rindo e chorando, principalmente chorando, cresci, mudei. Após quase seis anos aquele mundo já não cabia mais na minha vida, passei a me sentir sufocada, como se vivesse dentro de uma pele que não era mais minha.

Mas como mudar? Abandonar um emprego “bom” requer mais coragem do que parece, eu me sentia ingrata e tentava caber. Olhava para o financeiro, esse era o meu maior motivador. Colocava no dinheiro uma justificativa para os pedaços que arrancava de mim para entrar nas formas que me eram dadas. Só não olhava para o mesmo dinheiro que ia embora nas inúmeras coisas que comprava tentando tapar os buracos que ficavam.

Fiquei grávida e esse mundo todo desabou na minha cabeça, o que não fazia sentido antes, se potencializou. A gravidez me deu uma espécie de coragem cega, de repente passei a olhar para o que realmente queria, mesmo não sabendo bem o que seria, e decidi que sairia de lá sem me questionar se as coisas iriam dar certo ou não.

Fiquei um bom tempo sem acessar as memórias desta época, principalmente de quando saí oficialmente da empresa. Acho que eu tinha medo de me questionar sobre esta decisão. Teria feito o correto? Como estaria minha vida financeira hoje se tivesse permanecido lá? Recentemente fiz alguns exercícios de escrita que envolviam falar sobre dinheiro e refleti sobre todas as minhas decisões, até chegar no aqui e agora.

Entendi que falar sobre dinheiro não é só sobre dinheiro, mas as relações que construímos a partir dele e com ele. Seria extremamente reducionista dizer que hoje não tenho a vida financeira que tinha naquela época, que meu poder aquisitivo é bem menor, porque somos Anas de planetas completamente diferentes e minha relação com o dinheiro hoje reflete isso. Quanto vale a coragem de mudar? Quanto vale não precisar caber? Difícil mensurar tantos valores, que nem envolvem somente dinheiro.

Não digo que fiz o certo ou o errado, fiz o que deveria fazer para seguir o fluxo de vida que pulsava em mim, a mudança financeira que veio junto no processo, faz parte, do crescimento, da mudança de olhar e da construção que faço a partir das novas vivências que chegaram diante disso tudo. Faz parte. Nem sempre bom, nem sempre ruim, é o que é, e sempre tem aprendizado na conta.

Quando saí da empresa eu sequer pensei na possibilidade de ser escritora, juro. Eu nem escrevia mais nessa época, havia deletado da memória os anos frustrados no sonho de ser jornalista, o direito já havia tomado conta e eu não sabia mais o que queria fazer, só sabia que não era mais aquilo.

Acho que sem perceber, abri espaço para muitas coisas que estavam enterradas em mim, a escrita foi chegando de mansinho e depois de mais um tanto de água passando embaixo da ponte, aqui estou. Honestamente, eu nem sei dizer muito bem como cheguei até aqui, a escrita me abraçou, e eu abracei de volta. E a gente está abraçada desde então.

Com curiosidade e afeto,

Ana.

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