Amanhã,
Terminei de ler recentemente o livro Mamãe & eu & Mamãe da maravilhosa Maya Angelou e terminei de assistir no final de semana a temporada final de This is Us. Resumindo. Ambos conteúdos que me fizeram refletir a relação com minha família, principalmente com minha mãe. Tenho tanto por falar da nossa relação, mas nunca escrevi sobre, não publicamente. Minha mãe se preocupa absurdamente em expor qualquer coisa da sua vida e a principal pergunta dela quando falo do que estou escrevendo é se tem algo sobre ela ou nossa família.
Refleti sobre o pertencimento das palavras. As histórias pertencem a quem? Um mesmo fato pode ser contado de forma totalmente diferente por duas pessoas e talvez seja aí que mora a beleza de se contar e ouvir histórias, pois elas sempre levam um pedaço de quem as conta, para quem resolve genuinamente, ouvi-las. Resolvi escrever sobre a Ana filha, minha história, meu olhar, meu ponto de vista.
Eu e minha mãe somos muito diferentes. Não somente por termos crescido em épocas diversas, mas porque olhamos para o mundo com ângulos que não se alinham. Claro que um pouco deste olhar vem do repertório de cada uma e como a vida foi nos moldando, mas tem também o pedaço que cabe a cada uma, aquele que é nosso, que veio no pacote.
Ser diferente de alguém pode ser o que atrai ou o que repele. Por muito tempo acreditei que a fórmula secreta seria não criar expectativas. Quem não espera, não se frustra, esse é o lema certo? Mas o bom de envelhecer é que vez ou outra a gente vai aprendendo umas coisas pelo caminho. Você conhece ou já conheceu alguém que não cria expectativas com nada?
Pois é. Lenda que chama. Criar expectativas é algo de certa forma inata ao ser humano. Contamos histórias na nossa cabeça. Criamos mundos em que as coisas acontecem de forma diferente. Sonhamos. Criamos expectativas. Ela existe, quer agrade ou não.
Passei anos lutando contra ela. Acreditava que, se não esperasse nada da nossa relação, trilharia um belo caminho até ver minha mãe com os olhos da realidade e assim transformar magicamente nossa história em algo que pudesse me orgulhar. Mas a vida não é uma conta de 1 + 1 não é mesmo e por mais que eu afirmasse que a expectativa não estava ali, isso não era verdadeiro.
Cada fase que vivi esperei coisas diferentes da minha mãe. Quando saí de casa, aos ainda 17 anos, queria seu colo. Depois que comecei a fazer terapia e trabalhar muitas questões da minha infância, esperava seu reconhecimento e um pedido de desculpas. Quando me tornei mãe, quis seu colo novamente, mas desta vez, quis também me colocar no seu lugar.
Já havia lido relatos de mulheres que afirmavam ter tido sua relação com a mãe totalmente modificada após também se tornarem mães. Não sei se posso afirmar que minha relação com minha mãe tenha efetivamente mudado, mas a minha forma de olha-la e sentir o nosso fio invisível, mudou, e talvez tenha sido essa a grande chave da nossa história.
Não deixei de ver as coisas que criam distâncias muitas vezes gigantes entre nós, mas passei a olhar sua história, suas limitações, como soma naquilo que talvez não seja possível para nós, ao menos não agora. Não sabia nomear muito bem o que sentia em relação ao nosso passado até assistir a entrevista que Oprah fez com a Viola Davis. Viola escreveu recentemente um livro autobiográfico e ao falar da relação com seus pais afirma que apesar de muita dor, escolheu o perdão.
Não o perdão mágico, aquele que dizemos ter concedido como um modo de esquecer, apagar o que se viveu, mas um perdão diário. Uma escolha, um olhar para sua história, os erros cometidos por quem deveria lhe proteger e a certeza de que todos fizeram o seu melhor diante do que era possível ser feito. Este é um caminho bastante doloroso e impossível para muitos que tiveram seus corações dilacerados em suas relações familiares. Portanto, que fique claro aqui que este não é um julgamento pela forma como cada um consegue lidar com os pesos de sua história, mas tão somente a forma como eu venho lidando com os meus.
Minha história não se assemelha a de Viola claro, mas me apeguei a esta fala dela, porque traduziu o que vinha sentindo desde o nascimento da minha filha. Um ressignificar da nossa história aconteceu. Algo em mim mudou e escolhi olhar com generosidade para minha mãe todos os dias. Escolhi o perdão diário como uma ponte para um novo rio, com água limpa, onde temos a possibilidade de aprender a nadar.
E a expectativa. Ela continua vivíssima. Espero sempre algo da minha mãe e isto não é exatamente uma cobrança, mas uma forma de acreditar que ela, assim como eu, sempre pode mudar. Talvez seja ela a minha crença no novo, nas possibilidades e nas surpresas que a vida pode nos trazer. Tenho plena consciência de que a frustração pode se juntar a nós e isto faz parte do meu aprendizado também.
A expectativa da Ana filha, que agora também é mãe, ganhou uma parceira. A humanidade. Um atributo que permiti a mim e a minha mãe. Espero dela e de mim também, muitas coisas, inclusive a possibilidade de poder errar.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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que carta linda, Ana! fiquei emocionada e sinto o mesmo. acho que me tornar mãe foi uma ponte pra perdoar a minha própria mãe todos os dias, mas não o perdão passivo e resignado, mas o perdão que nos permite criar expectativas sobre nós mesmas, sobre a relação com nossas mães, porque estamos vivas e desejamos. e o que seria do desejo sem expectativa?!