Cartas para o amanhã

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É bonito ver as lacunas surgindo #88

anamargonato.substack.com

É bonito ver as lacunas surgindo #88

Desta vez a oportunidade chegou.

Ana Margonato
Oct 27, 2022
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É bonito ver as lacunas surgindo #88

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Amanhã,

“Eu não quero que você fique comigo nos bastidores mãe, eu prefiro meu pai”. Esta foi a frase que ouvi semana passada, ansiosíssima para ser “o apoio emocional” da minha filha na sua primeira participação em um musical. Fui fina, respondi tão naturalmente um “claro, tudo bem filha” que na hora até acreditei que estava mesmo.

O choro veio com o prato que escorregou da mão e quase quebrou. Quase quebrar não devia ser motivo para chorar, mas as lágrimas de quem havia sido substituída não se importavam que um quase estava no meio e não teve jeito, chegou abrindo caminho para um grande incomodo que se alastrava em mim.

Somos mães controladoras. Não apenas por falta de repertório, mas principalmente pelo grande empurrão que a sociedade nos dá nesta direção. Não, eu não vou culpar as mães hoje ok? Somos cobradas em saber até porque o filho está suspirando. Libertar-se do controle requer mudanças estruturais que vão muito além do “autoconhecimento” de uma mãe.

Ouso dizer que uma coisa se conecta a outra. O controle é uma forma de sustentar as cobranças, organizar as inúmeras demandas que recaem em sua grande maioria sobre as mães. Quem controla se sente mais seguro, parece haver ali a previsibilidade e o planejamento pronto para qualquer alteração. Tudo ilusório? Certamente. Mas quando se é ensinada desde cedo que é preciso cuidar, sorrir, acenar, assobiar e chupar cana, o controle te domina sem nem perceber que chegou, e faz tempo.

Observo o comportamento de muitas mães, um misto de curiosidade com comparação (sim, a gente se compara, mesmo sem querer). As mais “leves”, ou seja, menos controladoras, são as que possuem rede de apoio. Ter ajuda é abrir espaço, quem tem com quem contar pode abrir mão do controle muitas vezes e isso é libertador. O controle é uma prisão para quem o detém, a participação ativa de outras pessoas possibilita que as lacunas surjam e a roda da vida se expanda.

Não tenho rede de apoio, são raras as vezes em que minha filha esteve aos cuidados de outras pessoas para além da escola e quando isso aconteceu, organizei tudo nos mínimos detalhes. O controle ainda estava presente, dando pouquíssimo espaço para as minhas lacunas, que também precisam de oportunidade para se ampliar.

Desta vez a oportunidade chegou. Eu tinha zero controle sobre tudo que poderia acontecer na hora que antecedia o espetáculo. Embora tenha arrumado ela, feito toda a mochila, eu não fazia ideia de como seria a reação dela ao entrar no palco pela primeira vez. Nunca fizemos isso juntas. Me angustiei. Parte porque o controle mostrou sua impotência, outra porque perderia algo que acreditava ser meu por direito.

Ser controladora nos faz crer que há ali um merecimento. Um prêmio por tamanha dedicação. Também não é consciente, mas está ali, sussurrando o que deveria ser nosso. Sair dessa cilada não é fácil, mas também não é impossível. Fiquei praticamente sem unhas, mas enfrentei a dor. Talvez pareça exagero dizer que se assemelhou ao luto, mas assim me senti. Algo em mim morreu, e foi bom.

É bonito ver as lacunas surgindo. Os vãos se expandem na grande roda da vida da criança e cada vez mais pessoas chegam. Seus olhos brilham e a mãe não tem mais a importância de antes. Não por falta de amor, mas pelo alongamento dele.

Se controle é algo que cresce diante das circunstâncias, é possível então que se mingue, frente os espaços que surgem e se espalham sem medo de desagradar.

Com curiosidade e afeto,

Ana

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8 Comments
Fernanda Misumi
Writes Miudezas Diárias
Oct 31, 2022Liked by Ana Margonato

UAU. fiquei emocionada com essa carta!!!! quero dar estrelinha e salvar esse texto pra ler sempre. melhor. preciso emoldurar algumas frases.

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1 reply by Ana Margonato
Marcos Rodrigues
Oct 27, 2022Liked by Ana Margonato

E eu como pai pude aproveitar a relação com a nossa filha de outro angulo, um angulo em que eu vi ela sendo extremamente corajosa!

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1 reply by Ana Margonato
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