Erro 4E #101
Se fosse birrenta, não ajudava
A carta crônica desta semana está um pouco diferente. Não foi intencional, mas acabou se tornando uma espécie de crônica-conto (existe?). Espero que chegue a vocês como chegou em mim, um dilúvio de palavras que, após desaguar o que precisava, baixou as águas, liberou espaço, abriu o tempo. Clareou.
Amanhã,
Eu gosto de escrever sobre minha vida. Penso se não é vaidade demais, lua em leão, sabe como é, o mundo ao seu redor, e a escrita, acontecendo a partir do que vejo e sinto. Acontece que escrevo sobre o que me atravessa mais por falta de opção do que por vaidade, ao menos é esta a história que conto na minha cabeça.
Grande parte dos textos mais íntimos nascem sem qualquer planejamento. Descem corpo abaixo. Uma espécie de escrita selvagem, dizendo adeus ao lugar que antes habitava, abrindo caminhos. Por vezes me preocupo se irão me entender. Se identificar. Torço para que se identifiquem. Baixinho, desejo que não o façam, se sozinha estiver naqueles pensamentos, fica mais fácil crer na incoerência deles.
Difícil fica quando o que me habita, não quer sair. Meu corpo tem mudado, antes era tagarela, hoje, se fecha para o mundo quando as palavras não chegam. No fundo acho que sempre foi assim, eu driblava seu jeito, acreditava que falar, falar, falar, aliviava. Até pode ser verdade, mas leva tempo, e ninguém está disposto a te ouvir tanto assim. O silêncio é também afeto. Abre espaço. Estica a dor, até ficar tão fina e transparente, feito teia de aranha, passível de ser vista, fácil de desmanchar.
Logo eu, em pleno lançamento de livro, novo ciclo do Clube de leitura para divulgar, querendo calar. Ri das minhas incoerências. Envelhecer é interessante. Mudar é doloroso, mas tem aí, prazer. Hoje eu queria falar sobre o que ainda não sei nomear, se alguém pudesse dizer o lugar de onde elas saem, as palavras, poderia adentrar em mim e ir busca-las, a força que fosse, para conseguir, agora, colocar no papel o que me deixa quase que literalmente, sem ar.
Penso nos papéis que por vezes interpreto, rio sozinha, com vontade genuína. Genuína, de chorar. Que vexame, uns dizendo que estamos mudando, era de aquário, e a gente aí, rindo com filtro fazendo pose bonita enquanto o peito clama por um distanciamento absurdo de tamanha falsidade que se atravessasse o oceano não seria ainda, distância suficiente para calar a dor. Minha máquina resolveu que também queria pausar. Erro 4E. Hoje não, por favor. Comecei a chorar, aproveitei a oportunidade. Pedi ajuda a Nossa Senhora das Graças. Se fosse birrenta, não ajudava, costumo falar com ela só quando preciso.
Mexi, remexi, lembrei que esse erro já tinha acontecido antes, a válvula, aquela pequeninha, sabia. Reinicio tudo, deu certo. Não sei se foi a santa ou se fui. Na dúvida, agradeço, vai saber quando vou precisar dela de novo. O choro, não passou. Não tinha em mim válvula capaz de ser concertada e a possibilidade de reiniciar. Nem tudo que quebra tem concerto. Certos finais, nem a santa consegue reverter.
Não, ninguém encontrou as palavras, eu continuo sem ter com o que trabalhar. Minha investigação está prejudicada, vejo o mundo, bem pequeno, na bolha que eu mesma criei.
Se encontrar elas por aí, por favor, me avisa?
O tempo
Tem me feito
Colecionar buracos no peito
Crateras
Para dizer com mais precisão.
O que faço com esses espaços?
Me responde
Àquela voz
Àquela.
Que ecoa aqui dentro
Feito vento e canção.
Inunda
Inunda
Inunda
Que vira mar.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Oi Ana ! Eu te li e me vi... perguntas sem respostas, textos que brotam, máquinas que nos fazem chorar. Sinta meu abraço, como eu senti o seu.