Escolher nada também precisa ser uma opção #60

Amanhã,

Hoje é sexta-feira, feriado, e eu estou absurdamente gripada, daquelas gripes barra pesada que se pega de anos em anos. Era para ter lhe escrito ontem. Me disseram para lhe deixar sem carta esta semana, mas teimosa que sou, cá estou, mesmo que atrasada, mesmo doente.

A verdade é que a vida anda me atropelando já faz um tempo. Adaptação escolar infinita, festa de aniversário, viagem, gripe. Resumindo bem resumidamente meus dois últimos meses é isso aí. Olhando de longe é só a vida sendo ela mesma. Com uma lupa, a gente acha umas lágrimas ali, um sono muito ruim acolá e a soma de muitas outras pequenas coisas que no final, vira um tremendo cansaço culminando na imunidade baixa e o corpo me gritando “você precisa parar”.

Ele já vinha me dizendo isso faz um tempo. Deixou recadinhos. Escreveu no vidro do carro. Eu, ignorei todos, não por falta de educação, mas de tempo mesmo. Uma mãe que decide fazer algo por si e não possui rede de apoio vai ficar sobrecarregada. Fato. Eu não estava mais disposta a me deixar de lado por nada. Nem para descansar. Mas talvez meu corpo não concorde tanto assim e anda me dando umas panes que é para mostrar que não tem outro caminho senão fazer escolhas.

Resolvi pegar o caminho do meio (se é que ele realmente existe). Tenho me deixado pausar em alguns momentos. Fechar os olhos e permitir não me sentir culpada por estar ali, não sendo produtiva. Tenho tentado tirar esses momentos da Ana mãe e executora de tarefas domésticas também, e não apenas da Ana escritora.

Alguns pratos já se encontram espedaçados no chão. Uns pretendo fazer mosaico, outros, jogar no lixo espedaçados mesmo. A perfeição não combina com a vida real e eu não estou mais disposta a interpretar certos papéis. Às vezes a vida não cabe em sua inteireza. A vontade de fazer muito não combina com o caos que acompanha todo o restante.

Talvez eu não esteja sabendo me fazer entender. Esta carta é um exemplo de tudo isso que venho dizendo desde o início. Estou escrevendo ela direto na plataforma de publicação, enquanto terminam os últimos minutos do horário de TV da criança que já me chamou umas vezes pedindo água, lanche, trocar de programa, outro lanche e assim sucessivamente ad infinitum. Poderia estar lá ao lado dela, mas escolhi fazer algo que amo também, escrever esta carta semanal que de alguma forma preenche buracos que a maternidade não alcança.

As escolhas nem sempre se sucedem da mesma forma. Mas todos os dias me deparo com elas. E hoje, meu corpo me mostra que escolher nada também precisa ser uma opção. Para minha saúde, minha criatividade, minha relação com o mundo. É contraditório, eu sei. A vida não é linear. Ninguém é. O grande lance é saber quando devemos ceder aos gritos da nossa casa maior. Para o nosso próprio bem.

Estou tentando. Uma hora eu chego lá (ou não). Mas continuar tentando.

Com curiosidade e afeto,

Ana.