Amanhã,
Estou terminando meu primeiro romance. É difícil explicar o que sinto. Procuro na fala de outros escritores palavras que descrevam o que se passa aqui dentro. Lembro de Clarice Lispector, que diz ser “esvaziada por dentro” ao término de um romance. Entendo que este vazio é bem mais que um vazio, porém, agora, não tenho energia para destrinchar ele.
Pensei muito em não lhe escrever esta semana, mas tenho dificuldade em deixar pratos caírem, mesmo que esteja agora segurando esse pratinho com o nariz entupido, dores nas costas e um sono que parece atrasado em pelo menos uns bons anos. O fato é que este esvaziamento me deixa estranha, um querer falar horas sobre todo processo de escrita, misturado com uma necessidade gritante de silêncio.
Minha vida tem sido um espiral de transformações nestes últimos meses e em alguns dias, não me encontro no meio do caos. A escrita me regula, guia, margeia as bordas e sustenta tudo que é necessário para fazer o que é preciso ser feito.
Talvez não esteja falando de escrita afinal, mas de fé. Não daria conta dos acontecimentos, todos eles, sem a dose elevada de fé que me sustenta. E quando digo fé, não conecto ela a nenhuma religião, é fé na vida, naquilo que tomei como caminho, é fé em mim, nos movimentos que faço as cegas, acreditando genuinamente que aquilo tudo me leva onde devo ir sem nem saber pra onde. Só vou.
Como se diz minha filha “eu estou sensível hoje”. Tirar de dentro de mim esta história me deixou descoberta, expos minha pele ao sereno da vida. Ando sentindo tudo, intensamente. É belo, muito belo. E doloroso, na mesma medida. A escrita abre caminhos surpreendentes e não vou mentir, isso me excita.
Esta carta é sobre tudo e sobre o nada. O pertencimento que a palavra dá a cada um que decide selar contrato com ela é de uma grandeza sem tamanho. Porém, ela nos cobra a franqueza e não tem como escapar. Até o mais esperto do escritor, é pego durante a dança das palavras que cria.
“Escrevemos porque não queremos morrer”, nos diz Saramago. A magia contida nas palavras é capaz não só de eternizar aquele que escreve, mas criar universos que vão muito além de sua criação. Um broto, que uma vez plantado, não pertence a ninguém.
Escrevemos, porque estamos vivos.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Que lindo!
que coisa mais linda! escrever renova minha fé, sempre - e é a maior prova de que estou viva. amo isso. ❤️