Esse assunto me pegou #85
Amante da antropologia que sou...
Amanhã,
Estava em uma aula de recursos literários, a professora leu um conto que descrevia uma personagem que usava joias, roupas finas, andava com motorista (e era bastante formal com ele) e se preocupava bastante com a aparência. Ao final perguntou: Impressões? Foram várias interpretações diferentes. Eu disse “ela me parece uma pessoa arrogante”. “Mas isso não está no texto” disse a professora. Completei dizendo: “As inferências que fazemos estão em grande parte associadas à nossa história e a forma como vemos o mundo. Eu, Ana, a vejo como arrogante porque essa descrição de pessoa me leva a interpretá-la assim até que o texto me prove o contrário”.
Esse assunto me pegou. Fiquei pensando na minha análise. Faço parte de vários clubes do livro e uma das coisas que mais me admira durante a conversa que se tem sobre o livro lido em conjunto é, cada uma interpreta de um jeito. Muitas vezes parece até que lemos livros completamente diferentes. Converso com amigas sobre livros que lemos simultaneamente e mesma coisa. Determinados trechos que são fantásticos para muitas, são insuportáveis para outras. O ritmo do livro, o jeito que o personagem fala, o tipo de narrador, tudo, tem em cada pessoa um impacto.
Poderíamos adentrar aqui no grande diálogo sobre a morte do autor, pois acredito que conversa muito com a temática, mas só ele tomaria uma carta para si (falando bem superficialmente). O mundo de cada um é do tamanho do seu vocabulário. A forma como cada pessoa interpreta não apenas um livro, um personagem, mas a vida como um todo, é determinada pela sua história e o repertório que adquiriu a partir dela.
Amante da antropologia que sou, mergulho neste nevoeiro que é a socialização e as suas tantas faces sem nem pestanejar. Gosto de entender porque as pessoas pensam de tal forma. Porque a colega enxergou algo no livro que sequer passou pela minha cabeça. Ao passo que me preocupo também com a possibilidade de que interpretações absurdas possam surgir e porque não, serem usadas como justificativa para atos horríveis (alô Brasil 2022). Adentrando em outra polêmica: Seria responsabilidade do autor pensar em todos os cenários possíveis de interpretação de uma obra? Na minha opinião não, mas esse é outro tema espinhoso que várias cartas são poucas para destrincha-lo.
Tenho por mim que o olhar de cada um para uma obra e tudo que a compõe faz parte da grande riqueza da arte. A multiplicidade de possibilidades em um livro após deixar seu autor e seguir em direção aos leitores é ao meu ver, a magia da literatura e um dos motivos pelos quais são os livros um dos meios de transporte mais utilizados por aqueles que desejam sonhar.
A literatura, assim como demais artes, possuí a capacidade de criar universos únicos perante os olhos de quem os acessa. É bonito isso. Meu repertório se expande, ao passo que também se incorpora a obra. Não está no texto, mas está na minha história e eu, leitora, vou criar o personagem junto com o autor.
Deve nascer cada coisa bonita...
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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As inscrições para o livro de outubro do Dialeto Materno estão abertas. Este mês iremos ler As alegrias da Maternidade da Buchi Emecheta. Autora fantástica e um livro tão fantástico quanto. Vem que está bonito demais e as trocas, interessantíssimas pois a diversidade é grande!
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