Eu finjo bem #71
Expectativas. E aquilo que a gente dá conta.
Amanhã,
Eu fui a criança que se sentava na primeira carteira, estudava várias vezes o mesmo material para a prova e sempre passava cola para as colegas, mas nunca pedia, eu precisava, além de tirar nota, mostrar que era boa, porque não, a melhor. Seguia mesma linha adolescência adentro, lia todos os livros da biblioteca da escola, amava ler, mas também gostava de passar a ideia da garota inteligente que conhece muitos assuntos.
Na faculdade, não foi diferente, frequentadora assídua da biblioteca e a garota sentada na carteira da frente me rendeu a fama de nerd (que sempre achei um grande elogio). A fama era tão consistente que na época de provas substitutivas (acho que muita gente chama de exame), as pessoas brigavam para se sentar no meu lugar porque diziam que isso poderia dar sorte (nunca soube se realmente ajudou alguém, estudar provavelmente aumentariam a probabilidade de sucesso, mas eu gostava da superstição envolvendo meu nome e principalmente, minha fama de inteligente).
Este papel de “alguém segura de si que sabe o que está fazendo e é boa nisso” foi algo que sempre interpretei. Por muitas razões que hoje consigo decifrar, esta postura se tornou “a Ana”, ou seja, uma identidade construída encima de longas tentativas de agradar minha família e mostrar que eu era motivo de orgulho misturada com a necessidade de ser “útil” para a sociedade, alguém que tem “algo a oferecer”, mesmo que não saiba bem o que isto realmente queira dizer.
Lá vou eu deixando tudo complexo novamente (isso pode ser um pouco cansativo, acredite, sei bem). Quem somos, ou o que mostramos ser, é resultado da nossa relação com o mundo. Onde cresci, como fui criada e todas as expectativas jogadas nos meus ombros pelos outros e por mim mesma me levaram até esta garota, que encontrou no estudo, literatura e tudo mais que envolva adquirir conhecimento, uma forma de existir no mundo.
Só que tem um “pequeno” detalhe. Eu nunca me achei inteligente. Lia livros e mais livros para ver se ali, entre tantas palavras, encontrava a inteligência que tanto almejava. Me achava (e ainda acho) absurdamente medíocre diante de muitas pessoas que considero brilhantes. Mais uma vez a estrutura da sociedade explica esta minha “falta de fé” em mim mesma. Nós, mulheres, somos socializadas para ser menos, se colocar como inferior nas relações. Meninos possuem mais liberdade para tudo (exceto chorar) e isto reflete na nossa postura diante das nossas capacidades arduamente conquistadas.
Eu finjo bem. Sempre me coloquei diante das pessoas como alguém que se valoriza, que sabe exatamente o que está fazendo. Dia desses uma amiga ficou perplexa ao confessar meus reais sentimentos em relação a determinadas coisas da minha vida. “Eu tinha certeza que você era super confiante”, foi o que me disse. Eu lhe respondi “Alguma mulher realmente é? ”.
Desconfio que, muitas assim como eu, fingem bem. E não me entenda mal amanhã, acredito que fingir bem seja de certa forma um passo em direção a real valorização. Até onde a gente consegue ir, enquanto junta as peças que foram sendo espalhadas pelo caminho desde a nossa infância. Enquanto curamos o que precisa ser curado. Enquanto não descartamos o que precisa sair e abrir espaço para o novo.
Processos e mais processos que demandam tempo. Um tempo que parece não nos pertencer. Uma vida toda para acreditar nas minhas capacidades? Talvez. A cada dia me sinto mais confortável na pele da Ana que lê, estuda e não tem vergonha de mostrar para o mundo aquilo que faz com muita dedicação, mesmo não achando que está bom o suficiente. A cada dia acredito mais nela.
Continua fingindo, enquanto espero (e busco) a sinceridade e confiança chegar.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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"acredito que fingir bem seja de certa forma um passo em direção a real valorização". Lembrei de uma frase que li esses dias: "Fake it till you make it". Era no mundo dos negócios, mas por que não pode ser usado para atitudes pessoais, não é?