Fake férias #72
Aí credo, que delícia!
Amanhã,
Escrevo esta carta sentada na cama dos meus pais, ao lado da única tomada da casa que funciona no notebook enquanto minha filha assiste seu curto tempo de TV. Numa mistura de cansaço e satisfação, aqui estou, nas férias escolares, viajando, com uma pilha de trabalho que só cresce. Não ouso chamar essas viagens familiares que faço no recesso escolar de férias, não quero que meu corpo crie expectativas que não serão atendidas.
Hoje já viajo sabendo que não haverá descanso, pelo contrário, o trabalho é dobrado. Mas nem sempre foi assim, nas primeiras vezes que viajei sozinha com a Isis me frustrava horrores porque não conseguia ler tudo que havia planejado, não escrevia tudo que precisava e voltava para casa sentindo que falhei miseravelmente na missão de ser produtiva em um cenário teoricamente, mais “tranquilo”.
Por ser uma viagem é que o tempo se encurta. Tem os passeios, as pessoas que revê, as refeições que se estendem com a contação de histórias e até as muitas conversas sobre temas divergentes que costumam gastar uma energia e tanto. Sair da rotina é bom, mas dá trabalho. Talvez por isso tantas pessoas não gostem desta vivência para além do arroz com feijão de cada dia. Não os julgo. Embora ache um desperdício de vida.
Amo sair da rotina. Mesmo sabendo que vou me descabelar em quase todas as vezes em que saio dela. A tal da ambivalência, é ruim, mas é bom. Sempre volto com histórias engraçadas e fico pensando nas memórias que minha filha terá destas vivências. Tem coisa melhor do que vida sendo vivida e histórias muitas para contar? Mesmo não sendo muito viajada (ou quase nada) mundo a fora, histórias tenho aos montes e isso realmente me deixa feliz.
Resolvi nomear minhas viagens com Isis de “fake férias”. Um nome sugestivo, eu diria. Parece férias, mas não é. Se olhar com muita generosidade pode até se auto enganar por uns cinco minutos. Já olhei para as louças que não lavo, as comidas que não preparo, a quantidade de doce e frituras demasiadamente grandes, os banhos de rio ou de mar, o almoço caro no restaurante de beira de estrada. Tudo isso é indicio de férias, ou ao menos é o que se imagina que cabe no pacote desses dias nada rotineiros.
Mas o cansaço a gente deixa fora. Primeiro porque já estamos exaustas dele. Segundo porque ele não combina com a palavra férias. É para descanso certo? Ninguém conta para as mães que elas não terão férias (não viajando com as crianças). Ouso dizer que isto é proposital pois poderia ser um grande fator no controle de natalidade mundial se o aviso fosse geral.
O fato é que viajamos. Afinal, cansaço vai ter em qualquer lugar que esteja exercendo a função do cuidar. Levamos conosco o “não solta minha mão”, “chega de sorvete menina”, “xixi de novo? ”, “mais meia hora na piscina e chega”, “ok, só mais um picolé” e no final do dia, é cabeça fritando e lombar chorando. E um sorrisinho de quem se divertiu no meio do caos também. Só não sou mais a pessoa que chama isso tudo de férias. Não minhas, pelo menos.
“Fake férias” ou como queira chamar. Temos alguns dias mais nesse ritmo para vivenciar por aqui. Dias divertidos e demasiadamente cansativos. Reclamo? Reclamo, mas vivo cada minutinho. Isso há de contar. Encontro neles a possibilidade do meio termo. Do erro e do acerto. Da humanidade que tanto busco. Do agora, lugar onde quero estar.
Com curiosidade, afeto, sono e uma dor nas costas que não me abandona,
Ana.
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Só para lembrar, o Dialeto Materno já começou, mas ainda dá tempo de embarcar nesta viagem literária conosco. Clica no link e vem ler mulheres inspiradoras junto com outras mulheres que também o são!!
ótimo, Ana! férias de mãe com filhas(os) me parece mesmo sempre ser fake férias.
precisamos de férias das férias, assim como precisamos de mais um dia de fds depois de um fds com crianças.