Amanhã,
No auge dos anos 2000, enquanto muitas adolescentes estavam cantando com a Britney e sonhando com os Backstreet Boys, uma jovem garota passava horas na biblioteca fazendo duas de suas atividades favoritas: ler e observar o que outras pessoas liam, levavam para casa, consultavam.
Alguns anos mais a frente, o cenário muda. Festas e baladas. E lá está ela, uma jovem que ama dançar, embora não perca um movimento ao seu lado. A garota que sempre pede o mesmo drink, o menino que usa camiseta de banda de Rock e sabe cantar todas músicas de pagode da saideira, o promoter que tem toque e mexe no cabelo sequencialmente, sempre jogando para o mesmo lado, enquanto pisca os olhos sem parar.
Veio a faculdade. Os estágios. O primeiro emprego na área. O segundo. Viagens. Fases pautadas em observações das mais minuciosas. As quais não tinham nenhuma utilidade. Considerava inclusive que era por demais reparadora da vida alheia. Uma fofoqueira silenciosa, já que grande parte do que via, guardava para mim.
Até que chegou uma nova. A maternidade. As observações continuaram, agora nos cenários mais conhecidos de uma mãe. Parquinhos e supermercados. Atividades monótonas e sem muito brilho para esta que vos fala, mas acrescidas de um olhar mais apurado, passaram a ter maior importância.
E ali, em meio as trivialidades diversas, as palavras surgiram. Envergonhada pela escrita de tamanhas inutilidades, continuei no modo fofoqueira silenciosa, guardando todas aquelas crônicas para mim. Embora não as publicasse, nunca deixei de escrever.
Dentre tantos livros da famosa escritora Annie Ernaux, escolhi como primeira leitura de suas obras “Olhe para as luzes meu amor”, um livro no qual ela faz uma grande análise sociocultural usando os supermercados como ferramenta de pesquisa. Como já imaginava antes mesmo de ler a primeira página, a identificação com sua escrita e forma de observar o mundo, foi gigante.
Já pensou que dá para fazer uma boa análise da vida de alguém observando o que ela coloca no carrinho do supermercado? Eu sempre fiz isso e me achava muito da intrometida, até que Ernaux faz o mesmo com maestria em seu livro e nos mostra como as trivialidades podem ser na verdade, fatos interessantes e profundos sobre uma sociedade e sua organização.
Annie deu margem para meu processo de observação ao dizer;
“...ver para escrever é ver de outro jeito. É distinguir objetos, pessoas, mecanismos e lhes conferir valor de existência”.
A atenção ao entorno nos convida para um olhar mais apurado. Colocar no papel o que se vê é dar vida a camadas que até então podem passar despercebidas, inclusive, pelo próprio observado. Tenho por mim que é a chance de criar novos enredos, costurar possibilidades até então inexistentes.
A escrita transforma o acontecimento. Abre espaço entre o trivial e o extraordinário. Concebe a chave capaz de transformar. Um giro, no olhar da vida. Expande as vivências individuais, comungando a banalidade com o todo e a transformando em experiências compartilhadas. Dignas da mais atenta atenção. O suficiente para gerar mudanças internas e externas, em si e na sociedade.
Tudo isso, nascido a partir da observação de fofoqueiras silenciosas de plantão.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Esta é a última carta do ano. Adentrarei em breve no meu casulo para gestar os projetos que nascerão em 2025 e também aproveitar os meus, de forma mais intensa e presente. Espero que possam viver este final de ciclo da melhor forma que desejem, e que seja bom!
Apoiadoras receberão na semana que vem uma edição especial com a indicação de rituais de escrita bacanas para serem feitos neste momento de encerramento de ciclo e inicio de um novo. Se você quer receber também, basta alterar o plano de assinatura para acessar todos os conteúdos exclusivos.
Vejo vocês em 2025!!
Ler Ernaux me autorizou a escrever mais do que eu julgava bobagem. No fim, nunca é. haha minha compra semanal no mercado/hortifruti é mamão e banana, bem brasileira haha
Toda semana, eu compro bolacha de criança e Paçoquita.
Risos