Minha vida é um grande ritual #92
Ritualizar, para além de criar caminhos internos, é sentir.
Amanhã,
Quando criança criava vários rituais. Não tinha consciência disto. Intuitivamente fazia cerimônias sem saber que eram cerimônias. Situações reais que mereciam um ritual como o besouro morto e seu enterro digno, o início da primavera, para minha avó, após sua morte ou inventadas exclusivamente para que houvesse um ritual. Fazia arranjos de flores, altares, símbolos. Tudo isso sozinha. Não me recordo de ter tido a participação de alguém nessas ocasiões. Por alguma razão acreditava que tudo aquilo era errado e mantinha em sigilo meus ritos de passagem.
Adulta, explico com facilidade o surgimento de tais rituais. Filha de pais católicos praticantes, cresci participando de ritos de passagem religiosos. Do nascimento à morte, as cerimônias sempre se fizeram presentes em minha vida e eu, apenas havia aprendido a criar as minhas, da forma que me alimentava, que fazia sentido no meu universo.
O sigilo vinha do entendimento de que ali não cabia o criar. Ritos (em especial os religiosos) costumam não dar margem a imaginação, nem abraçam individualidades. Meus inocentes rituais certamente seriam vistos como algo pecaminoso pelos meus pais e eu já sabia disto desde cedo.
Corta para hoje. Não frequento nenhuma religião. Tenho minha espiritualidade, ao meu modo e, inconscientemente, mantenho certos rituais em que me reconheço. Escrevo afirmações positivas no meu caderno de escrita e isso me conecta com meus sonhos, sim, isto é um ritual para mim. Faço orações para Nossa Senhora das graças e Pachamama, tudo no mesmo pacote. Crio momentos com minha filha e minhas doguinhas que vejo (e sinto) como um ritual pois entendi que para mim ritualizar, para além de criar caminhos internos, é sentir.
Acho que sempre foi isso que me encantou, a intensidade dos sentimentos muda quando ritualizo porque ali eu me volto, me concentro e vivencio o momento de forma presente. Tudo isso me faz sentir a vida pulsar diferente, meus propósitos afloram e por alguma razão que não sei explicar, me preenche de tal forma que o esperançar se aviva e se faz presente mesmo quando penso que vai me abandonar.
Esse papo pode estar um tanto quanto místico demais, eu sei, mas embora eu seja toda razão, sou apegada na mesma medida naquilo que não se tem como explicar. Talvez seja um mecanismo de defesa, uma capa protetora das dores do mundo, talvez. Mas são esses rituais que me trouxeram até aqui hoje, isso eu posso afirmar.
Não tenho conclusão alguma disto tudo, acredito que a forma como cada um vê o mundo é única e vejo beleza nisso, de verdade. Compartilho minha vivência aqui porque as vezes não conseguimos nomear muitas vivências, mas quando ouvimos o outro, a semelhança se faz presente e os nomes chegam.
Acho mesmo que minha vida é um grande ritual. Gosto demais de viver, mesmo reclamando de um bocado de coisas todos os dias. Os pequenos rituais são meus lembretes, a forma que encontrei de dizer a mim mesma que estou aqui, respirando, então, é melhor aproveitar.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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Eu amo criar rituais! Criei até minhas próprias orações, porque eu não me encaixo em nenhuma religião, gosto muito da nossa senhora Aparecida mas me fascino com o espiritismo, enfim, todo ritual que nos faz bem é importante! 😊
Adorei seu texto, fiquei te imaginando menininha criando rituais e achei bem fofo!