** Primeiramente gostaria de dar boas vindas para as muitas pessoas que tem chegado por aqui nestas ultimas semanas. Se acheguem que a porta está aberta e o diálogo é o que mais amo neste espaço.
Amanhã,
Era sábado. Tinha oficina de escrita pela manhã para ministrar, uma internet sem funcionar esperando o técnico que pelo visto chegaria bem no horário da oficina, um Wi-Fi da vizinha que estava um horror, mesmo com toda boa intenção envolvida e ainda uma oficina a tarde na qual sou aluna que teria um escritor surpresa participando da aula e ouvindo os primeiros parágrafos do meu romance em construção.
Muita coisa para um dia só. É eu sei. Não bastasse tudo isso, enquanto me arrumava no banheiro, vi um serzinho correndo pela sala e antes que pudesse prever o pior, ele chegou. O calanguinho, meu amigo, por assim dizer, que morava nos cantos escondidos da casa e só aparecia a noite resolveu sair do esconderijo, bem naquela fatídica hora. No mesmo instante em que Lilika, a arqui-inimiga dos calangos estava ali, no corredor.
Entre pincéis de maquiagem, um rímel aberto que se espatifou no chão, tive tempo apenas de segurar a cachorra antes do golpe final, mas outros já tinham sido dados e o calango estava bem machucado. Coloquei ele em um lugar seguro e sem saber o que fazer, esperei. O técnico chegou, internet arrumada, a oficina de poesia aconteceu. O calango lá, virava de um lado para o outro, como se existisse uma posição mais confortável para a morte.
O relógio na cozinha marcava 12:36hs quando o calango deu seu último suspiro. A morte o cercou a manhã inteira, até que por fim, acabou com seu sofrimento. Correndo o risco de ser tida como alguém nada normal (o que não seria mentira alguma), confesso que chorei bastante pelo calango. Embrulhei seu corpinho em um papel e desci 3 andares de escadas para enterrá-lo no gramado do outro lado da rua.
Entre falas como “porque resolveu sair durante o dia justo hoje? ” e “me desculpe por não ter conseguido te salvar a tempo” agradeci pela sua vida e lhe dei um enterro digno. Fiquei com o cheiro da morte me rondando e com o efeito que ela me causa: Prestar mais atenção aos detalhes. Aqueles minutos que se passados despercebidos, resta ao final, apenas a sensação de que viveu.
A hora da aula chega e apresento os primeiros parágrafos do meu romance para ninguém menos que Andrea Del Fuego, a escritora surpresa de Marcelino Freire. Dentre tantas coisas que falou sobre minha escrita e as possibilidades dela, fechou com algo como “falar sobre a morte neste estilo é muito raro, você explorar isto pode ser muito belo e bem único”.
Aconteceram muitas outras coisas naquela semana, como se uma espécie de mapa estivesse sendo seguido para me levar até aquele momento. Lembrei do calango e das horas em que a morte ficou aqui em casa, aguardando seu grande momento. Porque falar sobre a morte? Porque escrever um romance falando sobre a morte? Porque um dos livros que mais amo fala sobre ela, a morte?
Até pouco tempo atrás tudo isso era um grande incomodo aqui dentro. De repente, como se tivesse chegado em algum ponto central do mapa, senti que o mistério é o que move a minha vontade de escrever sobre a morte. Talvez porque não a compreenda ou simplesmente porque ela me faz cada vez mais, amar a vida.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
A morte é rodeada de mistérios... e nos faz olhar mais para a vida. Tem gente que passa um tempão da vida, inclusive, se preparando para a morte e esquecendo-se de viver.
Ai chorei com vc chorando com o calanguinho....amei o texto, e caso vc esqueça vc escreve tão bem que da pra sentir daqui como foi esse dia.