Na linha amarela do meio do asfalto #90
Um equilíbrio meio caótico. Rotina para quem te quero.
Amanhã,
“Eu não gosto de rotina” foi minha frase favorita por muito anos. Aquariana orgulhosa que só, me definir como uma pessoa avessa ao “ela faz tudo sempre igual” fazia total sentido e sempre busquei mudar. As atividades físicas, os hobbies, os lugares frequentados. Nada durava muito tempo, as fases começavam já com um final a vista, mesmo que inconscientemente, não tinha pretensão de estabelecer um hábito, aquela rotina como algo que chegou para ficar.
Mas como tudo na vida, a gente muda. Que bom. Confesso que as vezes me impressiono ao observar as mudanças. Minhas e as alheias. Embora a grande maioria delas não sejam programadas, elas chegam e nos levam por caminhos surpresas. Assim foi com a tal rotina, mais uma mudança que chegou após a maternidade e desta vez, uma que parece querer criar raízes, instalar seu puxadinho com estacas firmes e mostrar as vantagens na vida de uma pessoa que consegue programar sua semana sem tantas emoções.
Percebi a mudança na vivência. Até pouco tempo atrás sair da rotina me animava absurdamente, os contras não chegavam nem perto dos prós e eu pagava a dívida sem pestanejar. Mas não foi assim nas últimas vezes em que a rotina se perdeu. Quando a escolha foi minha me vi repensando as decisões tomadas e quando foi a vida me jogou direto no caos sem qualquer escolha, me vi mais irritada que o normal.
Estou gostando de rotina, fato. Me peguei analisando os motivos e me incomodou pensar que um deles possa ser a idade. Estamos mais propensos a acalmar as pernocas conforme a idade avança, prioridades mudam e a necessidade de momentos mais calmos se fazem necessários. Mas aí já rolou aquele alvoroço interno, eu não quero ser a senhorinha que não sai de casa às quintas a noite porque é o dia do seu seriado favorito.
Fiquei dias ruminando este assunto até entender porque hoje a rotina me brilha tanto os olhos e não, não tem a ver com senhorinhas com agenda fixa sem brecha para o inesperado. A rotina me proporciona fazer o que amo. Mãe de criança pequena que sou, só consigo estar aqui, enviando esta carta, se a rotina está minimamente organizada e o tempo para o trabalho da escrita inserido na agenda de forma fixa.
A rotina é para mim hoje a possibilidade de andar na linha amarela do meio do asfalto. Um equilíbrio meio caótico, mas que proporciona ver meu trabalho fluindo, as coisas acontecendo e minha vida seguindo, apesar de, em frente.
Não teria como trabalhar sem a rotina. Não teria como sonhar sem ela. A rotina que me aquece o coração está longe de se assemelhar ao metódico, ao medo de mudança. É o oposto, ela me serve como um veículo de construção, a idealização de dias futuros possíveis, e diferentes.
Sorri quando entendi isso. Talvez não tenha mudado tanto assim. O desejo de mudança permanece aqui, só que agora tem mais organização do que impulsividade. A rotina chega até mim para me mostrar que algumas fases requerem mais dias iguais e isso não me tira a vontade de viver dias inesperados, apenas me ensina que há espaço para todos eles.
A ambivalência, essa danada, é a regente disso tudo e essa, adora uma surpresa. Que bom!
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Esta semana enviei aqui uma edição extra contando sobre o pré-lançamento da Oficina: Cartas que nunca escrevi. Preciso confessar que estou muito animada para este evento, falar sobre cartas e sobretudo escrevê-las sempre foi uma paixão para mim e, fazer isso de forma coletiva e em parceria com a Fernanda Misumi, que também é uma grande amante deste gênero textual será um grande presente. Inscreva-se e venha escrever cartas comigo!
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Amei! Percebi que eu gosto da rotina, mas gosto quando acontecem pequenas coisas que fogem dela, mas só pequenas! Aquelas que não me desviam totalmente do que já teria que acontecer no dia.
Que fique registrado: eu também aprendi a gostar de rotina com o passar do tempo. Mas no meu caso é simples rabujice. Brincadeiras à parte, sem uma rotina fica muito fácil andar em círculos e nunca conseguir realizar nada. Mais um belo texto.