Nem 10% da minha vida #123

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Amanhã,

Conhecer pessoas na internet é para mim o melhor de toda essa tecnologia. Posso dizer que tenho muita sorte. Muita mesmo. Fiz amizades belíssimas que amo muito. Porém, como tudo na vida, tem seu lado não tão bom assim e na minha concepção, o pior de todos, é acharmos que conhecemos a vida das pessoas apenas pelo o que elas decidem mostrar em seus quintalzinhos cibernéticos.

Recebo com frequência mensagens do tipo “não sei como você consegue se expor desta forma”, “não tenho coragem de contar tudo da minha vida assim”. Costumo responder as pessoas com um questionamento: O que te faz pensar que o que trago nas cartas são uma exposição da minha vida? Algumas ficam chocadas ao descobrir que muitas crônicas possuem mais elementos ficcionais do que reais.

E mesmo que fossem todas elas uma narrativa de acontecimentos da minha vida, seriam uma pequenina parcela do que vivo. Tão ínfima, a ponto de alguém ser incapaz de me conhecer apenas pelas cartas crônicas que escrevo. Ouso dizer que nem 10% da minha vida está aqui ou nas redes sociais e acho realmente intrigante que isto seja uma novidade para muitas pessoas.

Nem os influenciadores, aqueles que filmam do acordar ao dormir vão mostrar suas vidas sem cortes (já viram alguém fazendo nº 2 nas redes sociais?). Não mostrar absolutamente tudo da sua vida é praticamente um ato de compaixão (por si e pelo outro). A vida precisa de espaço para acontecer. Distanciamentos que nos levam a passeios internos, sussurros da alma, percebidos apenas por aqueles que conseguem silenciar o externo.

Que chato seria ver os recortes da vida de alguém e isso ser o suficiente para traçar um perfil, já saber seus gostos favoritos, conhecer seus segredos. Ler um livro de ficção e delimitar os motivos que levaram o escritor a escrever aquela história. A vida seria mesmo uma coisa sonsa, sem mistério algum. Pois um mistério bem desenhado é aquele que nem o próprio detentor domina suas origens.

Não se iludam, essas cartas dizem muito, e aos mesmo tempo bem pouco, sobre mim.

Com curiosidade e afeto,

Ana.

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