Ninguém está ileso #83
A vida não é um conto de fadas da Disney
Amanhã,
“Você é uma pessoa muito resiliente”. Ouço esta frase desde muito nova. Em diversas situações, esta foi a definição dada para a forma como trabalhei o que estava posto. Resiliência. Sempre em frente. “Este é o espírito”. Dias atrás uma amiga me perguntou Como você consegue ser resiliente desta forma? Como se aprende a lidar com a frustração? Após lhe contar eventos absurdamente frustrantes que havia vivido recentemente.
Não sabia ao certo o que responder. Aprendi vivendo. A minha vida. Mediante os acontecimentos que chegaram sem pedido ou permissão. Teria outra opção senão seguir em frente? Não sei. Na resposta continha um certo embaraço. “Vivi muitas situações que me obrigaram aprender a ter um alto nível de resistência a frustração, sem romance, a minha história me levou até aí”.
Ela achou inspirador. Pode ser. Mas a vida não é um conto de fadas da Disney, e resistência a frustração foi o prêmio (ou não). Sempre tem o preço, a contrapartida que o universo ou seja lá quem for cobra pela participação no grande show. O bruxismo e outros problemas dentários que surgiram da grande tensão no maxilar, as inúmeras endoscopias e muitos remédios para o estômago foram apenas alguns desses preços cobrados com juros e correção.
Quando olho para a vida a primeira coisa que vejo é a ambivalência que a constitui. Ninguém está ileso. Cada escolha, uma renúncia, diz o clássico ditado. Confesso que a palavra escolha me incomoda um pouco. Muitas das vivências simplesmente acontecem, não tem tanta escolha envolvida. Mas o fato é que, independentemente do rumo que a vida toma, sempre teremos as dores e as delícias. Não tem como fugir disso.
Pensar sobre isso me leva para muitos lugares. Principalmente sobre a linha tênue entre a auto responsabilidade e aquilo que não se explica. Conheci uma pessoa que não cuidava da própria saúde. Morreu quando a neta completou dois anos. Muitas pessoas falaram “poxa, se tivesse se cuidado talvez tivesse visto a neta crescer”. Dia desses encontrei uma antiga colega de trabalho e ela contou que sua mãe, a pessoa mais saudável que conhecia, morreu repentinamente de um câncer agressivo, exatamente quando sua neta estava para completar dois anos. Quem explica a lógica?
Tem muito mais coisas envolvidas quando se fala em saúde, eu sei. Assim como tem muitas camadas quando se fala em socialização e responsabilizar-se pelos seus atos e as consequências deles. Mas não é matemática. Se você fizer isso, vai ter x coisas como benefício e y de malefícios. Imagina, se pudesse realmente escolher, seriam nossas decisões pautadas em quais critérios?
Não lhe culpo se achar esta carta um tanto quanto confusa, com um misto de melancolia e porque não, cheia de questionamentos sem respostas. Minha mente é um aglomerado de questões sem solução aparente, as quais me perturbam quase 24 horas por dia. Achei justo dividir um pouco da angústia. Não me julgue pelo ato egoísta.
Estaria mentindo se dissesse que ser resiliente é algo que acho ruim. Na verdade, até o momento, é um instrumento crucial para a minha sobrevivência emocional. Comemoro tal “aquisição”. Porém, deixei de jogar embaixo do tapete o que veio junto. Em um processo bastante doloroso (pensei muito se escreveria esta carta, inclusive) tenho olhado para as cicatrizes, o que precisa ser cuidado. Saber lidar com a frustração não faz doer menos, apenas me ajuda a olhar com mais generosidade o que está a minha frente. As marcas no corpo continuam a surgir e me mostrar que dor é dor e a vida é ambivalência na veia.
Ver beleza no caos. Um de meus pedidos diante de tantas questões.
Aprender a só observar. Certamente responderia algumas perguntas. Ou mostraria a irrelevâncias delas.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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Dia 15/10 às 16hs estarei mediando um bate papo bem interessante junto com minha sócia amiga Fernanda Misumi no lançamento do seu livro Como as amizades acabam na Livraria Mandarina. Já anotem aí na agenda e venham conhecer este livro que é uma lindeza só e me dar um abraço pessoalmente também porque estou com saudades desses abraços todos.
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> Não lhe culpo se achar esta carta um tanto quanto confusa, com um misto de melancolia e porque não, cheia de questionamentos sem respostas. Minha mente é um aglomerado de questões sem solução aparente, as quais me perturbam quase 24 horas por dia. Achei justo dividir um pouco da angústia. Não me julgue pelo ato egoísta.
simplesmente amei você ter dividido esse texto conosco e poder ver a forma que a resiliência entra em sua vida através do olhar dos outros e do seu. obg :)
"Saber lidar com a frustração não faz doer menos, apenas me ajuda a olhar com mais generosidade o que está a minha frente."
_obrigada por me lembrar de ser generosa comigo mesma e com o que está na minha frente.