Ouça a carta aqui!
Amanhã,
O que seria da literatura sem as nuvens carregadas que pairam sobre as tantas cabeças pensantes das palavras e detentoras das canetas que não desistem deste céu repleto de caos?
Há quem escreva em dias ensolarados?
Ao autor, abre-se uma licença literária. A possibilidade de construir no exagero, usar a imaginação como condimento de uma história. Transitar entre os fatos “reais” e os que circundam as nuvens que lhes acompanham. Verdade ou não? Isso importa?
Dar as palavras os contornos necessários. A forma como se conta uma história, é parte dela. Entre autor e literatura, um acordo se faz nas entrelinhas; é preciso saber dançar. E mais do que isso, é preciso fechar os olhos e sentir o ritmo da música.
O primeiro livro que ganhei na vida foi Poemas Escolhidos do Fernando Pessoa. Eu tinha 11 anos, leitora assídua, mas nada tinha sido como aquilo ali na minha frente. Guardador de rebanhos me laçou em seus primeiros versos e eu já não sabia mais como me desvencilhar das palavras.
EU NUNCA guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Um trígono se forma: Literatura, autor e leitor. Sentando-se na mesma mesa. É preciso a existência deste trio para que a história se faça presente no mundo concreto. Um livro não lido é uma história que nunca alcançou os portões da realidade. Para que haja um banquete, há de se ter preparado anteriormente as palavras a serem devoradas.
Olga Tokarczuk fala com maestria sobre esse belo jantar “Acho que a literatura, enquanto processo incessante de contar histórias sobre o mundo, oferece, mais do que qualquer outra coisa, a possibilidade de apresentá-lo de uma perspectiva que inclua a totalidade das influências e relações mútuas. Entendida de forma ampla, a mais ampla possível, a literatura constitui por natureza, uma rede que interliga e revela a enorme correspondência entre todos os participantes do ser. É um modo muito requintado e especial de comunicação inter-humana, preciso e ao mesmo tempo geral”.
Quem prova dessa mesa, no mínimo, conhece novos sabores. E se tiver sorte, descobre que as palavras, são o tempero do mundo. E ali se alimenta por toda vida.
Com curiosidade e afeto,
Ana
O vídeo da edição Extra para apoiadores do mês de junho já está disponível para todos assinantes. Falei bastante sobre minhas percepções do livro da Olga, entre outros apontamentos literários.
** Poesia que alimenta (Paywall)
** Loucura é uma palavra feminina
** Amo esse tipo de tema e as reflexões que nos direcionam
** Para descontrair (e chorar um cadinho)
** Um texto lindo de uma amiga querida que chegou a pouco por aqui.
Sem dúvida, ao meu ver Ana, as palavras são o tempero do mundo. Os livros, uma porta que leva para lugares incríveis, mesmo que desconhecidos e até incômodos. Que riqueza essa edição 🧡
Obrigadissima pelo link do meu texto, Ana ❤️ uma honra estar listada aqui