Amanhã,
Na infância, sonhava com o dia em que falaria algo e todos ao meu redor estariam escutando com atenção. Espiava no batente da porta os adultos conversando, a forma como ocorria o diálogo, aquilo me encantava. As pessoas eram vistas, ouvidas, levadas a sério. Uma infância invisível me tornou uma adulta ávida pela busca dos espaços onde minha voz pudesse existir.
Com o tempo fui entendendo que não bastava ser adulta para ter voz, ser mulher me tirava uns pontos na grande corrida pelos ouvidos atentos. A vida foi passando e um grande incomodo se instaurou. A sensação de não ser realmente vista, muito menos ouvida continuava ali, por vezes tão pulsante que me tirava o gosto pela palavra. Porém, nada suficiente para aplacar a busca.
Após muitos ouvidos tapados, passei a olhar para mim como “a defeituosa”. Devo estar fazendo algo errado, será que é minha roupa? Talvez um salto ajudasse. Quem sabe se eu sorrir com mais vontade....
Conclui ser uma pessoa arrogante. Desejar ser vista e ouvida. Pra que? Vaidade.
Desde cedo entendi que gritar funciona. Se você for homem. Mulher que grita é “maluca”, embora seja as vezes ouvida mesmo taxada como tal. Nunca gostei de gritaria, por isso, o silêncio e a invisibilidade adentraram com força na minha vida e me vejo ainda com frequência ancorada nesses subterfúgios.
Numa espécie de busca interna, passei a investigar minha relação com a sociedade a partir da classe social a qual faço parte, minha cor, meu repertório etc. Acredito que todo esse processo investigativo tenha um determinado propósito: Nomear meus incômodos diante da invisibilidade social que por vezes me atinge. O que realmente busco?
Reconhecimento. Admiração. Respeito. Este último foi o que me guiou por bastante tempo. Entendi ser o que realmente procurava nas minhas relações. "Não quero ser amada, quero ser respeitada", dizia sem titubear. Mas a verdade é que o que eu quero ainda não tem nome. Respeito não abarca tudo. E na impossibilidade de nomear, estou aqui lhe escrevendo, na esperança de que se encontre em minhas palavras e, quem sabe, me dê algo que possa me representar.
Busco algo que transcende o respeito. Adentra a esfera do pertencimento. Ser ouvida não apenas porque é o que deve ser feito, mas porque querem realmente fazê-lo. Um lugar onde cabe ser. Só ser. E que haja admiração pela existência, sem condições prévias para se encaixar no formulário invisível do merecimento instaurado a séculos na sociedade.
O que eu quero ainda não tem nome. Mas há de ter logo mais e quando eu souber nomear, te conto, que é pra gente querer junto, tudo isso, e o que mais pudermos desejar.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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esse texto me pega tanto que nem sei o que sai do que li...porque aqui tmb não tem nome. E sinto que tudo isso faz parte de um coletivo fragilizado que, no fim, quer esse mesmo inominável...algo que interconecte o todo...divagações hahaah
Lindo texto! Também me encontro nesses subterfúgios causados pelo "não saber" e pelo, "quero saber?". O que eu busco também não tem nome, caminho, voz, vez, forma, etc., mas pulsa!