Oásis da vida adulta #79
O gozo das pequenas coisas
Amanhã,
Estava tendo uma noite conturbada. Acorda, vira para um lado, o outro, levanta, xixi, água, xixi de novo. Aquela desavença sem fundamento entre o sono e a insônia, usando ambos de todas as artimanhas para ver quem sairia ao final vitorioso. Eu, no meio disso tudo, já irritada, estava me dando por vencida, aquela sensação de que havia perdido a chance de desfrutar de algo tão mitigado na minha vida, vulgo, o tal do descanso. Até que resolvi conferir a hora, certa de que já estava esbarrando no momento em que o despertador tocaria e a batalha, enfim, se encerraria.
Duas horas da manhã. O que? Podia jurar que aquele martírio estava ocorrendo já a muito tempo. Tinha ainda horas para dormir (ou tentar), conclusão que me colocou em um estado que chamo de “gozo das pequenas coisas”. Aqueles acontecimentos que supostamente são efêmeros, quase imperceptíveis e sem importância, mas que vividos em determinadas circunstâncias se tornam um verdadeiro oásis da vida adulta.
Chegar em casa exausta e lembrar que tem comida pronta no congelador que seu eu do passado generosamente lhe presenteou. Encontrar dinheiro esquecido no bolso da calça bem no momento em que saiu de casa sem carteira e a criança está jogada no chão do parquinho porque quer o maldito do algodão doce do moço sem coração (ou trabalhador precarizado mesmo, ou os dois) que passa oferecendo seu produto para clientes quase certos.
Um sentimento de satisfação, misturado com sorte e uma pitada de prazer. Acontecimentos que podem inclusive, mudar o dia, a semana e porque não, uma vida toda, se a gente se propõe a olhar para eles como tal. Ouso dizer que a ocorrência de tais eventos, diante de uma vida já tão hostilizada e muitas vezes caótica demais podem ser vistos como um presente. Dado por quem quer que seja, inclusive nós mesmos.
Apegada que sou aos detalhes, costumo estar atenta aos acontecimentos, embora nem sempre comemore aqueles que me colocam, mesmo que momentaneamente, embaixo da sombra do coqueiro, tomando sua água de coco no meio do deserto. Tem dias que a areia quente ganha mais espaço do que o alivio da sombra e está tudo bem. Gritos e praguejamentos costumam ter razão de existir. Feito as dunas, a vida é um tal de sobe e desce sem fim. Até que o fim chegue.
Falo hoje dos oásis da vida adulta como uma forma de subversão a minha própria história. Aprendi a treinar os olhos em busca dos grandes espaços verdes no meio do deserto. Por vezes passam batido os menores. Minúsculos pontinhos verdes que parecem não merecer minha atenção.
Nisso, o sol esquenta. Esqueço que lago pequeno, também mata sede. E revigora o corpo para continuar a caminhada.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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