Seria uma boa explicação. Eu acho #55
Complexo, do jeitinho que a vida é.
Amanhã,
Sua irmã passou no vestibular. Você recebeu aquele e-mail que tanta aguardava com um sim bem lindo constando nele. Segundos depois, bate o dedinho do pé na quina da mesa.
Criança acordada desde às 4hs da manhã. A xícara de café fervendo cai na sua perna e ainda suja o tapete da sala. No almoço, abre o celular todo lambuzado de caldo de laranja e vê que sua amiga lhe enviou uma mensagem linda sobre sua importância na vida dela.
No meio do caos sempre tem uns bilhetinhos bonitos. Nos dias com filtro vintage cores marcantes vez ou outra aparece um borradinho no canto da tela e em outros está mais para cocô de pombo, daqueles que mancha a tela toda. Difícil encontrar um dia só bom ou só ruim. Não vivi nenhum para somar na minha experiência.
Hoje cedo estava passeando com as minhas cachorrinhas, no nosso horário matinal, 5hs da manhã para ser mais específica e eu estava chateada. Um tanto quanto deprimida. Aqueles dias que a gente já acorda meio bad vibes sabe? Eu detesto. Sou uma péssima pessoa triste. Minha essência é ser a chata do otimismo. Acho que nem meus amigos me aturam muito quando estou de mal com a vida, pudera eu mesma. Lá estava eu, passeando com elas e pensando nos problemas, remoendo hipotéticas soluções até que passou por mim uma mãe e sua filha.
A mãe indo deixar a filha com uma senhora que trabalha como babá perto de casa. Dei uma pausa na linha do tempo problema x soluções que passava pela minha cabeça e fiquei pensando no horário que aquelas duas haviam acordado para já estarem ali, caminhando, arrumadas para o dia que já havia começado para elas.
Minha filha, em casa dormindo. Acorda com calma, toma seu café da manhã geralmente brincando de algum personagem. Come devagar e se diverte bastante na presença de quem lhe quer bem.
Bem longe de mim romantizar qualquer coisa aqui. Tudo tem seu preço. A minha presença constante na vida de Isis teve e tem um custo alto que pago com juros e multa. Muitos dos meus dias de preocupação financeira e profissional (se é que não é a mesma coisa) decorrem da escolha que fiz em lhe proporcionar um café da manhã com calma, para dizer o mínimo. Ainda posso escolher, e isso é muito. Ao passo que é também difícil. Porque custa, literalmente custa. Não sei se posso mais pagar, mas continuo pagando.
Complexo, do jeitinho que a vida é, eu sei. Não vou me estender aqui em falar dos recortes de classe e raça. Penso nisso o tempo todo. Hora na revolta por aquilo que não posso ter. Hora por aquilo que tenho e gostaria que todo mundo tivesse. Por isso falo sobre as lentes e os olhares com certo cuidado. Elas são definidas grande parte pela nossa história, que é definida pela classe social que crescemos e vivemos. Tem suas exceções? Tem. Mas não acho justo usar exceção como exemplo para nada. É cruel e fora da realidade.
Trago meu olhar para a vida apenas como a minha experiência. Por algum motivo (ou muitos, provavelmente), me fiz pessoa que se amargura com aquilo que pesa, mas que busca sempre encontrar aquele pedacinho que brilha. Eu me refaço aí. Faz sentido dentro de mim buscar razões para acreditar no melhor, no lado bom. E tenho por mim que é esta uma forma de subversão a um sistema que nos quer desacreditados de uma existência feliz.
Não tem só o bom, só o ruim, tudo se mistura. Agradeço e me preocupo, quase que na mesma medida. Acho bonito e desesperador. Me alimento das pequenas alegrias. Não fecho os olhos para os desfechos ruins. Sigo nesta estrada que não tem mapa. Sigo o rumo do que vejo, do que consigo enxergar. As lentes mudam com frequência, assim como eu.
Será que a vida é uma grande corda bamba amarrada no meio do caminho e a ideia é fazer a gente se equilibrar ali, até o fim?
Seria uma boa explicação. Eu acho.
Com curiosidade e afeto,
Ana.