Amanhã,
Recentemente troquei carta com uma amiga escritora e, ao final de sua carta ela me fez a seguinte pergunta:
Qual sua maior saudade?
Fiquei horas refletindo sobre esta pergunta, que permaneceu sem resposta. Pensei na minha infância, adolescência, juventude baladeira, casada sem filha, com filha etc etc. Nenhuma das fases já vividas me remetiam a uma grande saudade. E quando digo remeter a este lugar não quero dizer que não sinta saudade de algumas coisas, apenas que olhando para esses tantos retrovisores, vejo o passado e sinto-me confortável em deixa-lo lá.
Me senti estranha. Eu não deveria ter uma grande saudade? Todos não temos uma grande saudade?
Talvez esteja reprimindo algo, pensei. Devo ter alguma grande saudade guardada aqui em algum lugar. Tenho que ter. Saí vasculhando minhas caixinhas internas, em busca daquela tal saudade, devia estar tão bem guardada que ficou até esquecida.
Não encontrei. Olhei lá nos primórdios da minha existência e, nada. Até cogitei algumas coisas, tipo a macarronada de domingo da minha mãe, mas aí lembrei do restante do domingo e constatei que seria um belo de um exagero colocar tudo isso no rol da grande saudade, afinal, como o próprio termo diz, é grande, algo que precisa de uma justificativa para ganhar o título de maior saudade de todas.
É certo dizer que falo o tempo todo sobre o passado, aqui, nas cartas então, minha infância já ganhou muitas linhas. Porém percebo que relembrar o passado pode ser apenas relembrar o passado e embora contar histórias já vividas por mim seja algo que aprecio, não costumo remeter ali saudosismo. É como se fosse outra pessoa, conto a história como uma personagem que observa o desenrolar dos fatos em uma posição privilegiada.
Estaria sendo bem desonesta também se dissesse que a ausência da grande saudade do passado se dá pelo fato de que vivo no presente. Seria uma bela de uma mentira para dizer bem a verdade, pois uma das coisas que mais faço é viver na projeção do futuro. Ah o futuro, aquele que não existe até se tornar o presente, mas que a gente adora criar toda uma narrativa como se já estivesse garantido. Isso tudo me fez lembrar Elena Ferrante em Dias de abandono:
“O futuro, de certo ponto em diante, é somente a necessidade de viver o passado. Refazer imediatamente os tempos verbais”.
Estaria eu projetando no meu futuro minhas saudades do passado, na tentativa de replicar aquela, a grande, a maior de todas: A SAUDADE que eu não me permito enxergar?
Cazuza nos diz:
“..Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades..”
Na total ausência de respostas, me permiti duvidar, de mim, e daqueles que, assim como eu, buscam entender aquilo que lhes atravessa. Passado e futuro, uma linha que se cruza no horizonte de meus olhos e por vezes se confundem, colidem, conversam. Não tenho como dizer se o que busco, baseado naquilo que acredito que quero, seja de alguma forma um replicar do passado, porém, confesso que vejo beleza na possibilidade de estarmos todos buscando no amanhã aquilo que já findou no ontem.
Uma redenção de nossas falhas.
Um presente que um dia negamos a nós mesmos.
Novas formas de pisar um mesmo chão, com outros pés.
Estamos todos refazendo nossos tempos verbais, aqui, agora?
Correndo o risco desta carta ultrapassar o limite de citações permitidas e receber o título de carta mais sem sentido do ano, encerro-a com Clarice Lispector em Água Viva.
“...À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios....”
Com curiosidade e afeto,
Ana
Já faz um tempo que eu e Fernanda Misumi queríamos criar uma oficina de escrita voltada para a escrita e o maternar. Uma exploração desta grande força motriz que rege a maternidade. Como aproveitar este poder criativo que nos aflora assim como conseguir organizar para que tudo não se perca sem que tenhamos experimentado toda esta potência.
Pensando nisso tudo criamos a oficina Escrevivendo a maternidade. Serão dois encontros com exercícios e trocas. E claro, vocês assinantes possuem desconto, é só usar o cupom NEWSLETTER.
que lindo! quero olhar para os tempos verbais de outra forma daqui pra frente ❤