Amanhã,
Estou finalizando a leitura do quarto livro deste ano com a temática luto. Uma questão de vida e morte, do Dr. Irvin Yalom e sua falecida esposa Marilyn Yalom (ela falece no decorrer da elaboração do livro e não, isto não é um spoiler e sim um dos grandes componentes da narrativa). Não quero falar sobre este livro especificamente, mas sobre o tema.
Teria necessidade de todas essas leituras para os trabalhos atuais? Não. Então porque tamanha obsessão pela morte, pelo luto? É provável que não haja nada de muito interessante na resposta, todos morreremos ou perderemos pessoas amadas, uma hora ou outra, portanto, é natural que haja um interesse sobre a temática de um futuro próximo (ou não). De toda forma, inevitável.
Continuo instigada a encontrar uma resposta. Ao menos uma que considere interessante. Tenho quase nenhuma experiência com o luto. Vivi poucas perdas significativas em minha vida até agora. Penso na sorte que é isso. Dizer que pouco lidei com a morte, ao passo que me sinto insegura. Como será? As experiências mais profundas aconteceram no início da minha adolescência. Perdi minha avó materna e meu padrinho em menos de uma semana de diferença. Ambos, extremamente queridos em suas comunidades, tiveram ritos de passagem calorosos e com muita, muita gente presente.
Foi o que me marcou. A quantidade de pessoas que compareceram nos velórios. O que faz uma pessoa ter um velório lotado ou vazio? Temos real controle sobre isso? Transito na resposta destas questões. Já pensei que sim, basta ser uma boa pessoa e todos vão querer se despedir de você. Hoje, penso ser essa resposta simplista demais, afinal, o que é ser uma boa pessoa?
No fundo acho que tenho medo da solidão. Na vida e na morte. Nos escondemos atrás das nossas obsessões pois bater de frente com suas reais motivações é horripilante demais. As camadas vão se formando e nós, com receio de olhar o que as sustenta, criamos novas, até que não seja mais possível tocar a base.
Evitamos falar sobre a morte porque falar sobre ela é na verdade, falar sobre a vida. Mais especificamente sobre o tempo que passa enquanto estamos aqui, respirando, nos vestindo depressa para o trabalho, almoçando um salgado na esquina, chegando em casa as 23hs sem energia para nada, dormindo até tarde no domingo, levando o cachorro para passear, o amigo para jantar, aquele show que prometeu ao namorado que não iria faltar.
Falar sobre a morte é falar sobre o silêncio. De quem o faz morada. Definitivamente. E daqueles que o visitam, tentando encontrar a voz que se foi.
Fátima Santa Rosa em seu livro Perdidos e Achados cita um trecho de um poema de Paul Auster que dialoga com tudo isso;
Tanto silêncio
a ser trazido à luz
nesta carne pensativa, o rufar
do tambor das palavras de dentro.
Tantas palavras perdidas no vasto mundo dentro de mim [...]
Os silêncios que nos habitam. As palavras que se escondem. Os medos que tecem máscaras e se apresentam belos diante de nós. Leio sobre a morte, escrevo sobre ela. Trago a luz aquilo que consigo pescar. É preciso alimentá-los, eles, os medos, para que, no momento oportuno, se coloquem em nossos anzóis e subam a superfície, mostrando suas verdadeiras formas.
Alimento-os com as palavras, do outro. Não há nada com mais sustância do que a expansão de repertório e isso, só é possível através da escuta. Ouço tantas vozes que, assim como eu, indagam seus medos, silêncios e dialogam sobre a morte. Diálogos que ocorrem porque ela dá medo, mas principalmente, porque estamos aqui, vivos, para faze-los.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Agosto está chegando e já já iniciaremos a leitura do primeiro livro do Ciclo de leituras do Dialeto Materno. Lembrem-se que assinantes das cartas possuem desconto, basta usar o cupom NEWSLETTER e se inscrever neste link aqui.
Ana, belo texto.
Tuas reflexões me lembraram o livro Sobre a Morte e o Morrer, de Elizabeth Kubler-Ross. É um clássico sobre o tema do luto. Ela aborda a visão de pacientes terminais. As reflexões são fortes e também bonitas.
Tenho para mim que viver é no gerúndio. E morrer também.
Até breve.