PS: Esta carta foi escrita e publicada no final de 2021, porém achei que ela cairia muito bem nesta série de republicações pois, embora tenha se passado 1 ano de sua original publicação, muitas coisas ainda geram identificação. Decidi não “atualizar” o texto, portanto, leia as impressões do final de 2021 com gostinho de 2022, pois as tretas continuam (será que um dia acabam?)
Amanhã,
Pensei em falar com a Simone aqui (eu sei, a Simone de novo), mostrando para ela o quanto tentei, de todas as maneiras, fazer o meu melhor este ano. Mesmo que não pareça. Mesmo que eu não acredite. Mas achei melhor não. Primeiro porque acho bastante problemático esse “clássico da cultura brasileira. “ Então é Natal, e o que você fez? ”, já começa a música nesta inquisição velada, como se manter-se vivo já não fosse bastante coisa não é mesmo. Depois segue ladeira abaixo “Pro rico e pro pobre, num só coração”, até entendo aí a tentativa de criar uma atmosfera amorosa e harmoniosa para o Natal, mas “num só coração” é um pouco forçado, até mesmo porque o coração do rico certamente estará propenso a uma melhor saúde e diante de uma mesa farta, o que, neste ano, definitivamente, não será o caso do pobre.
Como podem perceber, aqui temos uma Simone cansada. Acho inclusive que se a letra desta música fosse escrita em 2021 certamente seria bem diferente, talvez algo como “Então é Natal, e você sobreviveu” ou ainda “O rico que sobe, e o pobre desce outra vez” quem sabe ainda algo como “Que seja feliz quem, tomar a vacina, e respeitar o outrem”.
Brincadeiras à parte, sabemos que a letra original, escrita por John Lennon e Yoko Ono foi um protesto contra a guerra. Mas como a versão abrasileirada tomou outro rumo, reside aí a revolta anual com a Simone. Mas nem sei porque estou aqui ainda falando de Simone, já que havia dito que não iria apresentar um balanço do que eu fiz, e não vou.
Acredito que para olhar a minha retrospectiva, como costumeiramente sou instigada a fazer, preciso aprender a reconhecer realmente minhas vitórias. Eu não sei fazer isso ainda. Não da forma como acredito que deveria. Olho para tudo que fiz neste difícil ano e até reconheço meus esforços, mas o olho cresce muito mais para tudo aquilo que não aconteceu. Atribuo a “culpa” majoritamente a mim, “não aconteceu porque não me esforcei o bastante” é a primeira frase sussurrada no meu ouvido por uma versão minha que ainda não aprendeu a me amar como ama o outro.
Não quero olhar para o que aconteceu. Mesmo que haja muita coisa boa por lembrar. Quero olhar para mim hoje, e ver as transformações ocorridas no corpo e na alma diante de tudo que foi vivenciado. Acho que a retrospectiva somos nós, no agora.
Talvez não faça muito sentido. Talvez sim. As pessoas vivem suas fases e às vezes nos alinhamos com o pensamento alheio, ou não. E está tudo bem. Demorei para entender isso. Nem sempre é uma questão de analisar, se incomodar ou até mesmo praguejar. A sintonia por vezes não ocorre. Vejo aí beleza, lugar de aprendizado, proximidade ou afastamento, o que pode ser bom também.
Carta meio confusa né, e quem não está nesse final de ano? Não sei ao certo se a mensagem que quero passar (se é que tem alguma mensagem nisso tudo) está tendo êxito. É que o ano foi difícil, para alguns muito mais de que para outros, mas dificilmente alguém saiu ileso. É preciso afeto, com o outro, mas principalmente consigo mesmo. Não há amor que resista a um coração que não consegue se abraçar. E não há corpo que não sucumba a culpas que não devia carregar.
Fugindo do clima nebuloso do início desta carta, encerro-a lhe desejando que nestes últimos dias do ano, possa genuinamente se amar. Independente do seu balanço. Do que não conseguiu realizar. Dos desejos que teve que abandonar. Você certamente fez o seu melhor e para a Simone, você não precisa se explicar. Desejo que esse amor cresça e que no ano que está chegando, seja ele sua força e os sapatos que sustentam seus pés para novos caminhos trilhar.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Eu acho que 2020, 2021 e 2022 ainda são uma coisa só, então esse texto faz muito sentido. Espero que em 2023 a gente finalmente comece algo novo, vire o ano.
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