Uma vida pautada em obsessões #80
Só que sabe como é.
Amanhã,
Um escritor que admiro muito, Marcelino Freire, diz que toda pessoa que trabalha com a escrita precisa identificar suas obsessões literárias, pois sempre há uma ou mais. Isso ficou gravado em mim, em meio a observância misturada com negação. Acreditei que não tinha obsessão alguma. Bobagem isso.
Só que sabe como é. Quando algo fica gravado em você, aquilo cria vida própria, vai trilhando seu caminho sem que você perceba. Comecei a observar os assuntos mais recorrentes da minha escrita. Aqui, no caderno que escrevo pela manhã, contos inacabados etc etc. E advinha, estavam ali, bem discretos, porém visíveis, meus assuntos mais citados: Maternidade e luto.
Tal constatação ficou ruminando em mim. Não havia até então analisado mais a fundo o que minhas palavras estavam dizendo. Elas sempre falam bem mais do que achamos que estamos escrevendo. Quase que com vida própria, colocam no mundo coisas que talvez quem as escreveu, note sua mensagem tempos depois. É bem maluco, e absurdamente interessante.
Maternidade e luto andam lado a lado. A mãe que sou, um dia se despediu de quem antes fui, um adeus, uma morte, um renascimento. Minha obsessão pelo luto não é de agora, reconheço, gosto do tema antes mesmo de me tornar mãe. Achei tão conflitante com o fato de ter pavor de velório, vou somente em casos que ficaria muito chato não ir. Mas luto vai tão além da morte física. Talvez seja apenas este morrer que ainda não sei tocar sem sujar as mãos.
Obsessão pela morte ou pela vida? Não seria a mesma coisa? Para nascer algo, é preciso que outro morra, etapas, travessias, há sempre uma morte que antecede um nascimento. Talvez isso explique o meu grande apreço pela vida. Ficaria aqui uns 500 anos, sério. Meu apego no luto é pautado na próxima etapa, no renascimento. Não importa se antes será preciso morrer.
Pensar sobre isso expandiu de tal forma o meu olhar. Definitivamente este critério não se aplica apenas a literatura. Vivemos todos uma vida pautada em obsessões. Sejam elas quais for. Poderia trocar a palavra obsessão por “o que lhe faz pulsar”? Porque não? Aquilo que mais nos brilha aos olhos, prende a nossa atenção, é um pedaço da história de cada um, tão particular e instransponível que chega a ser um verdadeiro quebra cabeça entender a origem de todas as obstinações que criamos no decorrer da vida.
Maternidade e luto são hoje os temas que me guiam, rumo a algum lugar que ainda não sei e por isso me é tão rico. Escrever sobre minhas obsessões é alimento, me preenche de coisas que nem sabia que precisava. Até que me satisfaça e surja um novo lugar aqui dentro, para conhecer e dar-lhe de comer.
Obsessiva que sou, tema não vai faltar.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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As inscrições para o Ciclo de leituras do Dialeto Materno estão abertas para o livro do mês. Vamos ler o premiado A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas, da Maria José Silveira. Um livro que é um verdadeiro presente da literatura brasileira. Só vem!!
Nascimento e Morte formam uma unidade de contrários que resultam na superação de ambos que é o Devir, a constante transformação daquilo que agora é, mas já não é mais.
também tenho obsessão por maternidade e luto. e preciso dizer que você seria ótima na versão mulher de Hob Gadling (o humano imortal de sandman) hahahahaha