Amanhã,
Quem nunca ouviu a clássica frase “você não é todo mundo” dos pais quando criança. Eu como clássica sobrevivente dos insanos anos 90, ouvi tanto esta frase que tenho um certo ranço dela. Dia desses ela se escapuliu da minha boca para minha filha e a minha vontade era de engoli-la novamente para desdize-la.
Ranço a parte, digamos que temos nesta frase muita reflexão envolvida. Em tempos instagrâmicos em que vivemos, sentir que está todo mundo fazendo algo, menos você, é algo muito presente. A vida mostrada na internet tem um quê de leveza, misturado com poderes mágicos estilo Jeannie é um gênio. Explico melhor, se vai ter um evento em determinado lugar, está “todo mundo lá”. Você não sabe como as pessoas foram, quais os perrengues que passaram, muito menos se estão felizes em estar lá. Mas estão, e isso parece ser tudo o que importa.
Em meio a um show de fotos felizes, # por todos os lados e um invisível sentimento de completude por estar “onde todo mundo está”, a realização parece morar ali, naquela foto, naquele storie de quem conseguiu ser todo mundo. Mas aí, acontece que eu, você e mais um monte de gente está vendo aquilo ali e se sentindo excluído, por não ser “todo mundo”. Mas se todo mundo está lá, quem são estas pessoas que “não são todo mundo”?
Internet é uma coisinha fofa, que faz a gente se esbarrar em uma galera gente boa que dificilmente iriamos conhecer nas aleatoriedades da vida presencial. Mas também é aquele lugar que engana bonito e faz as pessoas acreditarem que estão excluídas de algo, quando na verdade tem muita gente vivendo a mesma situação que você.
Semanas atrás rolou uma foto histórica em uma feira do livro em São Paulo. Mulheres escritoras juntas, em uma foto cheia de significados. A ideia espalhou pelo Brasil e teve foto em muitas capitais. Na bolha de escritoras que vivo, este assunto era latente e, no dia da foto, minha rede social só falava nisto e, TODO MUNDO ESTAVA LÁ PARA A FOTO. Eu, humana que sou, me senti excluída. Repassei mentalmente todos os motivos reais e plausíveis que me impediam de estar lá várias vezes, mas não foi o suficiente para me sentir bem com minha ausência.
Todo mundo não estava lá. Sabemos. Mas isto não parece ter mais relevância que o sentimento de exclusão. QUEREMOS ser todo mundo. Talvez porque nos levam a acreditar que se você for todo mundo vai ser feliz, vai conseguir “chegar lá”, mesmo que ninguém faça realmente a menor ideia do que isto possa significar. Estar no grupo do todo mundo é pertencer. Ao grupo dos não excluídos.
Fiquei pensando se alguém se endividou para estar naquela foto, se deixou de estar com alguém que queria muito para estar lá, se se arrependeu de ter ido, se rolou decepção, cansaço, raiva. Tudo que ninguém além da própria pessoa vai saber porque quando se é todo mundo, é preciso ser todo mundo com louvor.
Em algum momento da vida, todo mundo passa pela experiência de não ser todo mundo. Talvez a gente deva começar a falar sobre a experiência de não estar ”sendo todo mundo”. A chance de “excluídos” irem surgindo é grande e maior ainda é a possibilidade de descobrir que o todo mundo não existe. O grupo dos que não foram é sempre maior, acredite, o mundo é grande Sebastião e as bolhas, bem menores do que parecem ser.
Eu não sou todo mundo. Mas espero que todo mundo leia esta carta e me conte como esse papo todo chega aí, em vocês.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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Ouvi dizer que está todo mundo entrando para o Dialeto Materno (desculpem, eu sou monotemática, lembram, e faço piadas ruins também, não me julguem).
Brincadeiras a parte, as inscrições para o Dialeto Materno na modalidade semestral (com um valor bem menor) estão chegando ao final e logo mais iniciamos a leitura do primeiro livro que é ninguém menos que Maya Angelou. Então, se fosse você, corria fazer a inscrição e garantir presença nesse clube que está lindo demais.
Maiores informações aqui ou enviem um e-mail para oi.dialetomaterno@gmail.com que lhe respondemos ok.
que incríve texto Ana. não somos todo mundo e a internet precisa saber disso!!! mas uma coisa eu tenho que dizer: tá todo mundo (da minha bolha) falando do Dialeto Materno hahaha.