Amanhã,
Achei tão interessante ler esta semana uma edição da newsletter da Aline Valek, falando sobre sucesso, o “chegar lá”, como se sente pequena diante do que dizem ser este ideal. Interessante porque quando me coloquei na escrita e comecei a acompanhar vários escritores, a Aline foi uma das principais pessoas da escrita que despertou a coragem em me jogar, pedir aos que leem o que escrevo, um valor para que pudesse continuar escrevendo. Ela tem uma campanha de financiamento coletivo criada muito antes de existir esta plataforma aqui e na época isso foi muito revelador para mim.
Com a inspiração que Aline me despertou, eu criei minha própria campanha, lá no Catarse, a grande maioria das apoiadoras eram pessoas amigas (compreensível, já que estava bem no começo da carreira), mas com o tempo foram surgindo pessoas desconhecidas, aquelas que chegaram através da minha escrita e de alguma forma, sentiam que era justo pagar pelo meu trabalho.
Criei várias contrapartidas. Boletins, cartas, cartas individuais de apoiadoras sorteadas enviadas pelo correio, resumo da minha vida naquele mês de forma reflexiva e poética utilizando fotos como composição do todo, processo criativo, indicações etc etc. Mas algo ali me incomodava. Não me sentia confortável com aquela campanha. Investiguei internamente de onde vinha o incomodo durante quase um ano e, sem conclusão alguma, decidi encerra-la. Falei um pouco sobre tudo isso com as apoiadoras nas cartas finais, abri meu coração, “talvez não seja digna” falei.
Corta para 2023. Ano em que estou vendo esta newsletter crescer bastante, muita gente nova chegando, uma fase em que não são mais apenas as pessoas próximas que me leem. Criei a versão paga. Pessoas começaram a pagar pelo meu trabalho e, mais vez, o incomodo chegou. Cada vez que enviava as edições extras algo parecia errado, sem conseguir descrever o que sentia e já irritada com este sentimento sem nome, segui.
Até semana passada, quando ao ler as indicações da Vanessa Guedes em sua news Segredos em Órbita, me deparei com o TedTalk A arte de pedir, da Amanda Palmer. Foi identificação nos primeiros minutos. Enquanto Amanda contava sua trajetória no mundo da música e como conseguiu valores astronômicos ao pedir para os fãs que pagassem para que ela produzisse suas músicas e pudesse disponibilizar em todas plataformas possíveis, gratuitamente, entendi todo meu incomodo no meu trabalho. Foi tipo, eureca!!!
Não vejo problema algum em pedir que as pessoas paguem pelo meu trabalho. Isso não me envergonha. Eu escrevo, a pessoa gosta do que escrevo e não paga pelas minhas palavras, mas para que eu não deixe de escrever. Meu incomodo morava no fato de que eu criar conteúdos apenas para pessoas que pagam. Isso que fazia meus olhos deixarem de brilhar com o “pagar” e até então, não havia entendido e foi a Amanda Palmer quem me disse isso contando sobre o poder de pedir e a retribuição coletiva, não apenas para quem paga, mas para todos que querem ter acesso ao seu conteúdo.
Amanda conta no Ted em como as pessoas tem dificuldade em passar o chapéu, acreditam estar mendigando, quando na verdade o que está fazendo é proporcionar uma troca com significado, de forma genuína. Meus olhos logo formaram laguinhos, pois é exatamente isso que acredito e concluir que não vejo problema em pedir, apenas em segregar o que ofereço, foi libertador.
Ok, então quer dizer que pessoas que pagam vão receber as mesmas coisas que aquelas não pagam? Sim. Quem paga é porque, primeiramente, gosta do que escrevo e segundo, porque pode apoiar meu trabalho para que eu continue escrevendo e por isso serei sempre grata (só quem é autônomo e no meu caso, escritora independente, sabe do valor que é alguém apoiar financeiramente seu trabalho). E terceiro, e não menos importante, paga porque quer que eu esteja aqui, não porque quer conteúdo exclusivo, portanto, quando torno todo meu conteúdo aberto para os que pagam e os que não pagam, estou fazendo meu trabalho crescer e as pessoas que me apoiam financeiramente, são quem possibilita tudo isso.
E que fique claro, este não é um manifesto contra vender nossa escrita. Sou escritora e assim como vendo hoje meu livro infantil, venderei os próximos também. Porém, quero de alguma forma tornar minha escrita coletiva, sentir a troca que proponho e receber aquilo que tiver que receber de volta. E acredito genuinamente que é este espaço aqui pode proporcionar tudo isso para mim e para aqueles que me leem.
Pode parecer um papo bem maluco tudo isso? Para os moldes capitalista, sim. Somos ajustados para acreditar que nada coletivo pode dar certo, que apoiar o trabalho de alguém sem receber nada exclusivo, é injusto e sem sentido. Pensei muito para tomar esta decisão e cá estou, com inúmeras borboletas no estômago falando tudo isso porque a Amanda me emocionou, inspirou e mais importante, mostrou a resposta que tanto queria encontrar.
Aprendi a fazer o que meu coração manda, as palavras sussurradas lá de dentro. Herdei a teimosia do meu pai, a fé da minha mãe e as loucuras, são por minha conta mesmo. E assim sigo, acreditando que a gente se conecta com as pessoas através das nossas verdades.
Dito tudo isso, a partir desta semana, todas as edições extras que já foram publicadas estão disponíveis para todos assinantes, assim como as edições futuras, serão enviadas para todos que aqui estão, dispostos a ler o que tenho a dizer. Inclusive, tenho algumas ideias para as edições extras, para que sejam um pouco diferentes, que saiam do padrão e sejam muitas vezes, uma surpresa para quem recebe, a ideia é que, para além das cartas, o que trouxer de extra, seja livre, uma possibilidade de expansão da minha arte, a escrita. E que seja isso tudo, um presente para vocês.
Esta edição em especial, peço que dialoguem comigo, me digam como tudo isso bateu aí? Se não quiser deixar um comentário publico, responda este e-mail que receberei de forma privada o que tem a dizer.
Escrever é minha pele, e as palavras, os ossos. Por vezes me pego desconjuntada, porém, ainda em pé, oferecendo aos que param para ler a minha dança, o meu melhor.
Com curiosidade e afeto,
Ana
A arte de pedir #115
Eu vivo fazendo isso porque penso a mesmíssima coisa. E ainda tem um outro fato: quero ser lida.
Quando faço conteúdo exclusivo, estou cedendo à exclusividade e não concordo com ela. Exclusividade para quem pode pagar é algo que não deveria existir, mas a gente sabe que é um atrativo marqueteiro para atrair pagantes. O público foi treinado desse jeito.
Cabe a nós fazer o que acreditamos e desobedecer. Acredito demais na desobediência 💖
Nossa, sua carta conversou tanto comigo! Tenho pouquíssimos leitores mas decidi na cara de pai pedir uma contribuição assim, no molde de conteúdo aberto mesmo, ainda sem saber se era certo porque zero conteúdo extra. Lancei no mundo. Uma pessoa me mandou uma doação, e eu fiquei tão tão feliz! Como assim tem gente que nosso trabalho vale dinheiro? (A gente é besta né. Claro que vale. O trabalho de todo mundo vale). Acho que tudo que consegue quebrar de alguma forma essa lógica capitalista vale a pena. Você descreveu bem como deveria ser. Pago porque não quero que você nem o que você faz desaparecem. Isso tem lá a sua beleza. Abraços!