A escola das boas mães #108
Se tem carteirinha para este clube, a minha já tem carimbo escrito: REJEITADA.
Amanhã,
Correndo o risco de chover no molhado aqui, começo esta carta dizendo que a vida das mães no “mundo real” já não é muito fácil (fato). Pois imagine viver em uma realidade distópica em que, um dia ruim de uma mãe pode simplesmente ser o suficiente para que ela perca a guarda de sua criança e seja enviada para uma “escola de boas mães” para viver durante um ano aprendendo a ser uma “boa mãe”.
Este é o enredo do livro A escola das boas mães, da Jessamine Chan. Não pretendo fazer aqui uma resenha, nem dar muitos spoilers sobre o desenrolar da história, até mesmo porque resolvi escrever sobre a temática que ela aborda antes de terminar de ler o livro. Portanto, se o final for um horror, não pragueje contra minha pessoa ok.
Jessamine construiu sua crítica a sociedade perante a maternidade de forma tão profunda que até mesmo uma mãe que já está “habituada” a vivenciar ou ouvir sobre inúmeras violências e “costumes” bastante opressores se vê, enxergando de forma mais macro toda a estrutura que existe hoje e como isto impacta a vida das crianças e das mulheres mães.
Distopias são ótimas para potencializar desconfortos que por vezes não validamos. Brinco que não faço parte do “clubinho das mães” que levam os filhos pegar o ônibus para a escola. Estou sempre atrasada (a mãe que não se programa?), envio beijinhos com coração após ela entrar no ônibus e na sequência já vou me direcionando para casa enquanto as mães do clube ficam lá acenando até o ônibus desaparecer no horizonte. Tento (tentava?) conversar sobre algo que não envolva falar apenas dos filhos. Não valido comportamento machista dos meninos e ao dizer para minha filha que não existe isso de “menino é assim mesmo” e que eles devem respeitar as meninas da mesma forma que elas os respeitam recebo olhares penetrantes e desaprovadores. Enfim, se tem carteirinha para este clube, a minha já tem carimbo escrito: REJEITADA.
Presa no universo criado por Jessamine, me gelou a espinha pensar que, naquele mundo, eu estaria nesta escola. Teria minha filha tirada de mim porque não performei todos os comportamentos esperados pela sociedade de uma “boa mãe”. O exagero é a marca de um livro distópico, exatamente para criar reboliços internos que muitas vezes a realidade não cria.
Tudo que foi inserido no livro é real, mas cobrado de nós, as mães, em doses pequenas, que é para o impacto ser leve e imperceptível. Afinal, ninguém (vulgo capital) quer uma revolução materna não é mesmo? Imagina as mães todas fazendo um levante....
Não atoa A escola das boas mães é um best seller, considerado um dos melhores livros do ano de 2022 pelo The New York Times, bem como está na lista dos melhores do ano de figuras como Barack Obama. Não vou mentir dizendo que é um livro fácil de ler, a angústia e a revolta daquelas mães é passada em cada página para o leitor, assim como o tempo infinito que elas vivem naquele lugar parece lhe atingir de tal maneira que a leitura não flui em muitos momentos. A densidade da história impacta o ritmo. Demorei para perceber que esta leitura seria mais lenta e ao meu ver, faz parte do propósito da autora.
A literatura é maravilhosa. Capaz de nos levar longe e ao mesmo tempo criar identificação imediata. Possibilita que universos distópicos sejam criados e a partir da história “não real” façamos uma análise profunda sobre o que é e está, neste momento, gerando violências validadas por parte da sociedade e reproduzidas de forma inconsciente pela grande maioria.
Cada vez que encerro a leitura deste livro a sensação de “ufa isso não existe na realidade” me atinge quase de imediato. Ali, eu seria uma péssima mãe e teria meu direito de exercer a maternidade revogado. Aqui, sou uma mãe suficientemente boa e, embora tenha sido, provavelmente rejeitada no clube das “boas mães”, sinto-me verdadeiramente confortável com o papel que exerço na vida da minha filha.
Não porque supro todas as suas lacunas, mas porque tenho tentado construir junto com ela uma forma de vivermos uma relação na qual as duas existem, para além de.
Distopias são importantes. Utopias também. E eu, sonho com o dia em que a maternidade será realmente importante, não apenas para as mães, mas para toda sociedade e que o trabalho duro que envolve criar seres humanos, será coletivo.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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ai, MUITA vontade de ler <3
Ana, sua fala me lembrou muito um capítulo sobre a maternidade no livro de não ficção da Shonda Rhimes, "O ano em que disse sim". Recomendo muito. Não sou mãe, mas tive uma suficientemente boa, com suas ressalvas, como deve ser com todo mundo, cá estou para dizer: melhor assim. haha Um beijo