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Agora, vamos para a carta da semana.
Amanhã,
Já disse aqui algumas vezes que cresci na zona rural de uma cidadezinha do interior de São Paulo, mas acredito que nunca tenha mencionado qual era (e ainda é) o meio de sobrevivência da minha família de origem. Enquanto minha família materna é uma mistura de bugres, espanhóis e sabe-se lá mais o que, a paterna é o clássico Terra Nostra. Família imigrante de italianos que chegou no Brasil comprando uma terrinha e logo encheu ela de pés de café.
Meu pai trabalha com café literalmente desde a infância (deixando a escola para trabalhar, inclusive). Minha infância não foi de trabalho como a do meu pai, mas tenho em minha memória muitos pés de café. Horas e horas brincando ao redor desta fruta amada por tanta gente.
O café se tornou para mim, além de boas doses de cafeína, um elemento importante na minha história. Toda vez que encontro meus pais tem sempre um pacote de café separado para mim. Preparo-o pela manhã e o tomo quase que em estado meditativo, como se aquelas xícaras soubessem de mim, dos passos que já dei e tivessem a capacidade de ser suporte para os que ainda estão por vir.
Talvez por isso tudo, Dias medidos em xícaras de café da Gabriela Rosa tenha chegado até mim de forma tão profunda. Das pequenezas da vida, sentar-se para tomar uma xícara de café pode ser um grande ato, corajoso, ouso dizer. Parar, sentar, tomar um café. Ainda fazemos isso? A poesia também pode trazer este estado de contemplação da vida, pois existe sem que haja uma função. Fazer coisas que não tenham um fim, um retorno, uma meta. Acho que o café ocupa este espaço na minha vida.
“dias medidos em xícaras de café. Cansei do sono e das roupas passadas e das portas trancadas. Narciso deixou o espelho. Tecidos em erosão, êxtase, cotidiano, artista-etc. costuro palavras, cria corpos. Ancorada nas inquietações, me lanço pendurada no trauma da página em branco, vaziez, espectro, espaço, ah!....os espaços abarrotados de células saturadas de futuro, almofadas de ansiolítico. O vizinho usa meu wi-fi. Lista de compras: memórias, frutas, livros, esmaltes, filmes, antídotos, peixes eviscerados, dramaturgias celestes.....”
Reflito sobre o silêncio. Tem sido cada vez mais solicitado pelo meu corpo, que hajam mais espaços para o café, para o entorno. Sentir o agora e estar verdadeiramente nele sem precisar criar algo o tempo todo, ser útil. Em Ciranda de pedra a magnifica Lígia Fagundes Teles nos lembra:
“Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher as rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas.”
Penso que nas entrelinhas da minha história, a pausa foi sempre um convite presente, embora na maioria das vezes, recusado. Que bom que não desistiu de mim.
Tomo o meu café enquanto escrevo essas palavras e espero que ao lê-las, possa fazer o mesmo, sem tanta pressa, sem precisar tirar nenhum aprendizado disso tudo. Somente nós, o café, e o agora.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
Ps: Me conta aqui nos comentários se o cheirinho de café chegou até aí.
Neste sábado iremos realizar a segunda edição da oficina Cartas que nunca escrevi. Uma escrita investigativa que utiliza este meio literário como ferramenta de costura da nossa grande colcha de retalhos da vida. Ainda dá tempo de se inscrever e se você é assinante das cartas tem desconto de 10%, só usar o cupom NEWSLETTER.
Vem que vai ser bonito!
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Me lembro de um trabalho em que todo mundo parava à tarde para tomar café longe da mesa de trabalho, e terminar a xícara toda ali na copa, sem levar nada para a mesa do computador. Hoje, toda vez que pego uma xícara e levo para o computador comigo, eu penso na importância dessa pausa para realmente apreciar o momento.
Cada vez mais tenho apreciado esses momentos de café com o meu silêncio, sem precisar de nada além da contemplação...