Ouça a carta narrada aqui.
Para os que preferem a leitura, uma sugestão de música para acompanhar.
Amanhã.
Dia desses, minha filha caiu um tombo e ralou todo o joelho. Eu, na tentativa de consola-la disse “é preciso que a pele antiga saia para que uma nova chegue”. Ela, aos prantos, me respondeu que o preço da pele nova, é a dor. Continuou sua resposta dizendo “que merda de vida que tem que ter dor”.
Não tive como contestá-la. Desconheço processos renovatórios que não passem, mesmo que minimamente, pela dor. Nem pelo merda de vida, afinal, as vezes ela é mesmo uma merda e dizer o contrário disso para alguém que acabou de se ralar todo, não me pareceu algo legal de se fazer.
Me vejo impelida a admitir que minha positividade pode ser um tanto de fuga. Olho para meu cinza com mais naturalidade, admitindo que ele sempre esteve aqui, porém, escondido em suas próprias sombras. As partes ruins negadas de alguém podem ser simplesmente um amontoado de medos acumulados ao longo de uma vida repleta de tem que.
Tento contemplar minha desimportância. Mas isso não me agrada.
Tenho medo de ser esquecida.
Tenho medo de não fazer diferença alguma na vida de alguém.
Tenho medo de que o medo me congele nos momentos em que ter coragem é uma questão de sobrevivência.
Tenho medo de não ser suficiente a mim mesma.
E lá, no meu leito de morte, não ter coragem de olhar para traz.
Me perdoe pela minha descrença amanhã, mas desconfio plenamente de quem se diz em paz com sua desimportância. Se existe realmente alguém que encontrou essa trilha, eu o invejo.
O que seríamos nós se não uma grande pilha de ossos ocupando um espaço que outrora outra pilha de ossos ocupou. Todas na mesma estrada da existência, esperando que ao menos dessa vez, faça algo diferente, que lhe coloque num lugar de não esquecimento.
Mas para isso, é preciso trocar de pele. E trocar de pele, dói.
Com curiosidade e afeto,
Ana
***
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Querida Ana! Que texto lindo, profundo, cheio de verdades e vulnerabilidade.
Me vejo na sua partilha e sei que há certos dias que a descrença nos chega com tudo. Mas também confio no que vem depois da troca da pele, pois talvez o meu maior defeito seja ser otimista mesmo quando tudo desmorona.
Um abraço carinhoso e um beijo grandão
As crianças tem cada iluminação né?! Incrível.
Texto maravilhoso, Ana!
Eu fico pensando que as pessoas que realmente desfrutam a vida não pensam sobre isso. Sequer lhes ocorre esse pensamento de importância e desimportância, de ser ou não suficiente, como acontece com a maioria de nós.
Talvez eles não se atenham a esses detalhes porque eles estão vivendo e nós estamos pensado sobre como seria viver.
Sabe aquele meme: “um dia, eu viajar tanto que as pessoas vão comentar ‘nossa, você só viaja’ e eu não vou ter sinal para responder porque estou no avião”? Sabe esse meme? Acho que é isso.
Concordo com vc, é de sentir inveja mesmo.
Beijo, minha amiga!