Olá pessoal!
Antes da carta desta semana, alguns recados:
A partir desta edição, as Cartas passam a ser quinzenais. Relutei muito para tomar esta decisão, mas é o que mais faz sentido na minha vida profissional no momento.
E, no estilo, tira daqui, ganha dali, a partir desta edição também, teremos as Cartas narradas por esta que voz fala, em áudio. É um trabalho que estava ensaiando para fazer e agora coloco em prática, acredito que a palavra se manifesta de diversas formas e o conteúdo narrado, em especial por quem o escreveu, tem, na minha opinião, um elemento a mais, pois a entonação dada na leitura faz parte do texto, dá margem e alimenta. A escrita é expansiva e explorá-la pele audição será um grande aprendizado.
O link para acessar a edição em áudio estará sempre no início do texto.
*** Ouça a Carta aqui!
Amanhã,
Preciso confessar algo. Tenho certa paura, alergia, aflição, ou sei lá o que mais de duas coisas em redes sociais: Acompanhar a vida de gente famosa ou de pessoas “normais” que narram sua rotina com precisão e riqueza de detalhes.
Nada contra ninguém, sério. Este é um incomodo que demorei a entender e que hoje sei qual o caminho e a linha de chegada. Acompanhar perto demais a rotina de alguém que não é intimo o bastante para tal me leva a encontrar aparentes “defeitos”, que com o tempo se tornam grandes, o bastante para pegar ranço da pessoa.
Explico melhor. A vida na internet é um recorte. Mas o modelo apresentado nos faz esquecer disso rapidinho. Sem perceber estamos achando que sabemos da vida do outro simplesmente porque ela postou o café da manhã, almoço e jantar. A superficialidade com que é retratada a vida nesses pequenos trechos nos leva facilmente a uma sensação de intimidade que não existe. O que também não nos damos conta.
A pessoa, humana e complexa que é, fala ou faz coisas que você não gosta. Você releva. Ela fala ou faz novamente. Sem que perceba, a imagem construída pela falsa ideia de intimidade começa a se desfazer e a pessoa que você achava que conhecia começa a não ser mais a mesma, restando apenas alguém não tão legal assim, que você passa a detestar.
Na minha teoria, esse é um dos grandes alimentos da legião de raters. Aproximar-se demais de alguém online, a ponto de se sentir parte de tudo aquilo narrado, no direito de falar ou fazer algo que não lhe compete. Uma proximidade fictícia, que gera problemas reais.
Longe de mim ficar criticando alguém, costumava simplesmente usar o clássico deixar de seguir. Digo costumava porque hoje, já sabendo como a banda toca, nem passo perto de perfis que possuem este padrão e, alguns que se diferem um pouco, mas que começam a me gerar sentimentos estranhos, faço o mesmo, abandono o barco antes dele afundar.
Na literatura, esta relação chega de outra forma. A proximidade é com a palavra e isso torna as coisas mais maleáveis. Lidar com um texto um tanto quanto decepcionante do autor x me parece natural e esperado. Dificilmente encontrará alguém que tenha lido toda obra de algum autor e amado tudo que escreveu. Algo não soará tão bom assim e isso é tido como normal (ao menos para mim).
Estou lendo um livro de crônicas de uma escritora muito respeitada, que admiro muito. Entre tantas palavras, me encontro e me vejo totalmente representada por alguns textos, enquanto me incomodo profundamente com outros. Jamais entrará na lista dos “deixar de seguir”. Por que? Me questiono, enquanto coloco outros livros da mesma autora na minha lista de favoritos para futura compra.
Aproximar-se da palavra escrita por outra pessoa é pisar em terreno alheio, e se estiver atenta, é possível tocar os pés no chão. O que nas redes sociais cria uma sensação de intimidade, na leitura, vejo como cumplicidade. Estou ali, ao lado daquele corpo que sentiu todas aquelas palavras ao escrevê-las.
Pode ser empatia de colega de profissão? Talvez. Mas tenho por mim que não. Acessar os escritos de alguém pode lhe dizer muito mais sobre uma pessoa do que um dia narrado em uma rede social. É preciso apenas sentir, genuinamente, a manifestação de vida retratada através das palavras, onde autor e obra se misturam.
A chave: O mistério. As palavras sempre deixam perguntas não respondidas. Escondem questões que são alcançadas apenas por aquele que mergulhou no lago, lá no fundo. Chegam ao leitor de outra forma. Um distanciamento necessário, o qual protege leitor e autor, de intimidades inexistentes.
Há os que encontram sentido em acompanhar a rotina de alguém na internet, quer sintam-se intimas da pessoa ou não. Eu, tenho buscado os enigmas, jogados em frases desafiadoras, capítulos afundados em dores que me fazem imaginar de onde vem aquela história, que vivências teve o autor para escrever aquilo, naquela altura da vida.
Nos mistérios da palavra, encontro pessoas, criando intimidade consigo mesmo. Proporcionando aos outros, a possibilidade de fazer o mesmo.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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Leia também:
Há muito tempo não lia tantas coisas que falam por mim, na cumplicidade boa que só a escrita tem conseguido proporcionar nestes tempos de águas rasas e velozes. Obrigada, Ana!
Ana, sinto da mesma forma. Acho que a escrita é um exercício de criar intimidade, consigo e com o outro. A rede social (penso) é para criar afastamento. Afinal, sabemos que aquelas vidas não são reais.
Há quase dois meses, deletei minha conta do IG. Não deletei temporariamente, deixando a conta guardada para algum dia. Eu exclui a conta, as fotos, tudo. Me senti tão aliviada.
Que bom te ler, Ana!
Eu não consigo achar as news no novo app. Tenho que procurar no e-mail. Rsrs
Beijo!
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