Amanhã,
Acreditei estar vivendo uma grande crise existencial. Aos 37 anos, com tantos boletos na minha cola e eu, quase tomada pela posição fetal em plena segunda-feira. “Pra quê se expor tanto desse jeito na internet”, ouvi algumas vezes de uma pessoa muito próxima. Escrever sobre a vida é se expor? Martelo esta pergunta e concluo que, se a resposta é sim, estou fadada a exposição. E seus reflexos. Sejam eles quais forem.
A verdade é que tenho tentado encontrar o meu canto. Aquele lugar que se parece com o que reside aqui dentro. Amo as interações que vivo neste mundo cibernético. Detesto a forma como ele interfere na minha busca. Sufoca-me a neblina do sucesso. Um dia se escreve porque quer interação com as pessoas, pagar uns boletos, no outro, estamos todos postando métricas, comparando indiretamente quantidade de inscritos. Um sistema fadado a separar os “vencedores” dos “perdedores”. Joga quem quer, dizem eles com um riso de canto de boca.
Recebo mensagens de uma leitora beta. Impossível este retorno das minhas palavras, penso enquanto ainda ouço os últimos minutos dos tantos áudios. Todos temos uma história. Mas nem todas reluzem feito ouro. Escrever, mesmo que o brilho seja marrom, e nem se assemelha ao bronze, pois é feito de barro e para o barro retorna. Escrever sobre crises existenciais? Sou ou não sou medíocre?
Sigo na busca. Daquele lugar, o meu canto. Um sofá confortável seria bom, ou quem sabe uma rede em uma varanda espaçosa. Rio alto, quase um choro, desde quando escrever foi tão confortável assim? Escrever é sentar em cadeira dura, daquelas que doem as costas e deixam as pernas latejando. Encontrar meu lugar para além da escrita. E não seria tudo a mesma coisa afinal? As palavras se associam as minhas vontades, conspiram com minha alma. Sussurram baixinho: “Sustentar quem se é requer muita coragem”.
Quase que jogo um Guimarães como resposta (viver é muito perigoso), mas me calo. Deslizo o dedo sob as vidas alheias, histórias a milhas de distância da minha. É bonito isso. E incomodo. No fundo buscamos ecos, no outro. Tudo bem se acovardar as vezes? Pergunto após alguns minutos de silêncio.
Não me responde. Não diretamente. Me mostra Adélia, a Prado, a grande. Leio suas palavras, me sinto bem ao lado dela. Aquela ali entendia desse negócio de sustentar quem se é. É possível, penso. Sorte da Adélia, na sua época não se gastava tempo deslizando os dedos sob a vida alheia. Escrevia. E falava-se sobre a vida, empoeirada, como geralmente é. E não estou eu agora escrevendo? Que comparação sem cabimento. Colocar Adélia num texto tão sem sentido. Medíocre, eu falo.
Minhas palavras vão deixando rastro. A poeira que lhes acompanha desenha o trajeto. Pistas de onde vieram, indicação do caminho para onde vão. Tenho deixado elas assim, empoeiradas, com os pés sujos e descalços. Fui ensinada a passar pano nelas, deixar bem limpinhas e apresentáveis. “Sustentar quem se é requer muita coragem”.
Desconfio dela, a coragem. Por vezes me abandona e quando percebo, lá estou eu, com o paninho na mão. O lugar, o meu canto. Vai ver que nem existe. Encontrar-se é sobre sustentar, afinal. É lá, onde a verdadeira vontade reside. Resiste. Se mantém em pé. Com as poeiras que lhe inatas.
Aos 37, tenho sentido o gosto de mim mesma. Se sustento? Quem é que vai saber?
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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Já iniciamos a leitura do livro de agosto, A escola de boas mães e os diálogos já começaram porque este livro rende muitas conversas!
Eu te lia e me vinha uma frase que sinto que é irmã do seu título. A vida é mais ordinária que extraordinária.
Fiquei encucada com a palavra medíocre e fui ao dicionário. Adoro repensar conceitos. Encontrei esse dentre tantos outros: Que está no meio ou entre dois extremos.
Margeamos, nos extremos, mas nadamos também no entre. Lembrei de nossas conversas.
Obrigada pela reflexão, Ana.
Viajei profundo
❤️ Escreva, medíocre ou não ❤️
Ana, essa crônica/conto foi um deleite. Amei. A gente olha para a escrita, pensei esses dias, como algo tão grandioso, pomposo (assim como olhamos outras profissões) e no fim, tem vindo para mim cada vez mais a ideia de olhar como um trabalho. Apenas um trabalho, portanto também um pouco medíocre. Uma pequeneza humana, né? Tem sua utilidade pensar assim. Um beijo