Uma carta sobre nada #136
Acrescentando estranhas proporções de partes que não imaginava serem possíveis compor um texto.
**Ouça o episódio aqui.
Amanhã,
Pensei muito em não lhe escrever esta semana. Validada pelas tantas Newsletters que assino que, com frequência, tem “sumido” porque a vida demandou em excesso. Também posso, pensei. Mas eu quero escrever. Eu realmente quero. Mesmo que queira escrever sobre, nada.
Me recuso a usar minha vida pessoal como fomento de qualquer conversa. Ela não está para os fracos. Acredite. Não tiraríamos proveito algum ali, no máximo auto piedade. Porém, não sou profissional o suficiente para escrever um texto inspirador, ou quem sabe reflexivo, sobre literatura, assim como uma boa jornalista faria, mesmo diante de seus cacos existências. Não sou jornalista e pelo visto, não tão boa também.
Portanto, só me resta falar sobre nada.
começa seu livro Linha M com a seguinte frase:“Não é tão fácil escrever sobre nada”.
Esta frase vai e volta em sua narrativa e eu, fiquei meditando sobre ela.
Talvez. Seja o mais difícil. Falar sobre nada é encontrar sua própria mão estendida pedindo socorro, em meio aos escombros.
É possível sair?
Escrever sobre nada. Com a mão liberta.
Talvez. (e provavelmente). Tenha eu entendido tudo errado e falar sobre nada seja algo muito mais simples do que meu entendimento. Só estou complicando porque isso é algo que sei fazer bem. Sim, tudo se complica quando passa pelo meu crivo avaliador.
Falar sobre nada é quem sabe, encontrar a essência do que te move. Chamá-la para o movimento. Não é possível escrever sobre nada sem pisar com os dois pés no chão.
Patti novamente me vem à mente em outro trecho de seu livro.
“Esperava pôr de lado minhas pequenas angústias, e talvez acrescentar algumas imagens para adornar o rosário da minha Polaroid. Estava contente em ir a algum lugar. Minha cabeça só precisava ser levada para novas paragens. Meu coração só precisava visitar um lugar de grandes tempestades. Virei uma carta do meu baralho de tarô, depois outra, tão casualmente como se estivesse virando uma página. “Encontre a verdade de sua situação. Tenha ousadia”. Colei selos que haviam sobrado do Natal nos três envelopes e os joguei na caixa do correio a caminho do mercadinho. Depois comprei uma caixa de espaguete, cebolinha, alho e uma lata de anchovas, e preparei uma refeição. ”
É preciso ousadia, ela diz. E um pouco de temperança, acrescento. Por minha conta e risco, claro, é provável que esta palavra não fosse escolhida por Patti, mas eu gosto de como soa quando dita em voz alta. Ousadia e temperança, uma mistura e tanto.
Escrevo sobre nada. Acrescentando estranhas proporções de partes que não imaginava serem possíveis compor um texto. Mesmo quando não estão nele.
Escrevo sobre nada. E sinto que fui levada ao meu canto, das grandes tempestades. Lá, nado com as palavras não ditas, e bebo das lágrimas engarrafadas. Encontro o todo, que por hora, achou por bem se ausentar.
Escrevo sobre nada. E nada mais parece importar.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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Espiral de Memórias é uma oficina que “gestei” por um bom tempo e estou feliz demais que consegui trazer ela para o mundo ainda este ano. Lhe convido a se juntar a mim nesta construção coletiva das lembranças. Maiores informações aqui.
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As inscrições para participar do Dialeto em novembro estão abertas. Este mês estamos lendo Sobre minha filha, da Kim Hye-jin. Livraço com muitas questões familiares dolorosas em pauta e importantíssimas de serem discutidas. Com certeza o encontro deste mês vai render. Para se inscrever basta responder esse e-mail que lhe passo o caminho das pedras.
Leia também:
Ana, que texto MARAVILHOSO.
Me senti em casa, ou melhor, na calçada!
Obrigada pelo carinho deste texto.
Talvez, escrever seja como dizem sobre fazer terapia:
quando não queremos falar, é que falamos as coisas mais importantes.
E, pelos vistos, todas nós estamos no mesmo barco de papel. Rsrs
Eu tô ainda nadando com você. Que lindo esse texto. Como me encontro nessas águas 🌊