Volte três casas #76
Amanhã,
Sou insegura com minha escrita. Talvez insegura não seja exatamente a palavra. Metódica. Exigente. Perfeccionista. Sempre procurando melhorar a frase, mudar a vírgula, encontrar o ritmo que flui. Nenhuma novidade no mundo da escrita. Ao menos eu acho. Dificilmente existirá uma pessoa que escreve como profissão juntando palavras sem se importar muito com o resultado.
Em breve meu primeiro livro será publicado. Escrito para minha filha, é sem dúvida, um livro com muito significado para a Ana escritora, e também a mãe. Percorri um longo caminho até chegar a editora que faz hoje os preparativos para a publicação. Continuo na longa estrada, na construção efetiva do livro. Entre aprendizados e frustrações, existem muitos sentimentos, dos quais não se inclui a satisfação plena.
Remoendo meus incômodos, consegui guardar o chicote. O qual já me deixou cicatrizes anteriormente. Escrever é algo que escolhi. Talvez empurrada pelo destino. Mas a sensação de escolha permanece no peito e assim prefiro manter. Não pretendo transformar a escrita em uma meta a ser batida. Há de ter prazer no processo. É preciso seguir o fluxo. Mesmo que isso signifique pausar, e porque não, voltar algumas casas. Dar marcha ré.
Estou escrevendo um segundo livro. Desta vez, um romance. Escrevi um bocado e de repente, tudo parou. Inicialmente acreditei que fosse algum bloqueio criativo. Depois concluí que sem dúvidas, era o cansaço acumulado. Por último, acreditei ser falta de competência. As certezas foram se esvaindo, uma a uma, restando apenas um grande ponto de interrogação na minha frente.
Até que o romance falou comigo. Sim, eles falam. Tente genuinamente se comunicar com as palavras, é provável uma resposta. Era uma manhã de sábado ensolarada. Marido havia levado a criança para passear e eu estava com a manhã destinada a escrever. Depois de um bom tempo tentando, sem êxito, me vi dialogando com aquele emaranhado de letras. O que tinha a me dizer. Quais caminhos trilhar.
Volte três casas. Foi o que ouvi. Estude estrutura com profundidade. Encontre inspiração em livros que ainda não leu. Observe o que é invisível aos olhos. Fiquei bastante irritada. Conclui imediatamente que este era um recado forjado, saindo direto do departamento de sabotagem da minha brilhante cachola.
Continuei tentando seguir em frente nos próximos dias. Nada.
Vida seguiu. Uma oportunidade fantástica de fazer um curso excepcional de escrita surgiu. Me tornei curadora de um clube do livro. Outro clube apareceu no meio do caminho. Muitos livros inesperados caíram no meu colo. Comecei a efetivamente usar o caderninho que carrego para anotar observações e diálogos que me saltam aos olhos e ouvidos. De repente, assim, coisas novas chegaram.
Entendi o recado. Dei marcha ré. Me voltei para os estudos de recursos literários que quero utilizar. Tenho me fascinado com os livros que não estavam na minha lista e que sequer conhecia. Usar o caderninho de anotações tem sido uma descoberta interessante sobre o que escolho olhar no mundo. Não que a observação não fosse presente, mas anotar tem seus mistérios.
Acho que ouvi mais do que ousei admitir. Acredito que as coisas acontecem quando se dá ouvidos ao sussurrar das palavras. Se é voltar três casas ou pular quatro a frente, isso realmente não importa. A fluidez da escrita acontece quando se faz o que é preciso ser feito.
Não digo mais que pausei meu romance. Ele caminha, pisando nos lugares que precisa pisar. Pausa também é movimento.
É travessia, pros lugares que quero conquistar.
Com curiosidade e afeto,
Ana.
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