Amanhã,
Ao iniciar a leitura de “Colhendo flores sob incêndios: Os diários de Alice Walker: 1965–2000” me deparei com uma pergunta constante. Será que Walker imaginava que aquilo que escrevia, seria lido por muitas pessoas? É fato que ela não só autorizou a publicação como participou em parte da organização dos escritos. Mas ali, enquanto escrevia, qual era sua motivação? Ela escrevia para quem ou para que?
Frequentemente, enquanto escrevo em meu caderno, fico pensando o que será feito dessas páginas que preencho sem saber porque. Penso na possibilidade de minha filha, já adulta, se interessar pelas minhas palavras e decidir ler um tanto delas. Que susto terá, ao se deparar com uma mãe que não conheceu. Somos tantas versões aos nossos filhos, mas as mais tristes guardamos para o papel em branco.
Alice se desnuda em seus cadernos. Não consigo imaginar que alguém escreva desta forma pensando que aquilo certamente será lido por outra pessoa. É preciso de um pouco coragem e incoerência para fazer coisas que não se encaixam nas lógicas previamente constituídas. A meu ver, ela escrevia suas angústias para não se afogar nelas.
E se olhar, bem de pertinho, para a escrita do outro, é provável que se encontre ali, pois, por mais pessoal que seja, é sempre sobre histórias, que vivemos individualmente, mas que se colocada magicamente no famigerado papel em branco, se torna coletiva. Um constructo de vivências que se entrelaçam através das confissões feitas para ninguém e para todos.
Assisti algum tempo atrás o filme Amigo imaginário e além de tantas coisas que me pegaram, fiquei presa na parte que falam sobre as histórias e como nos lembramos delas. Não é sobre nós, é sobre o todo, por isso cada vez que revisitamos uma história ela se faz diferente. Seja ela nossa ou não.
Algumas memórias de infância se transformaram em outras histórias, a partir dos repertórios que fui adquirindo no decorrer da vida. Coisas que lembrava com ressentimento dos meus pais, agora recordo querendo ser o abraço para aqueles adultos tão cheios de problemas para resolver e filhos por criar. Revisitar as narrativas de nossas vidas é também uma oportunidade de re(criar) a partir de novas lentes que agora possuímos.
Talvez meus escritos sejam uma grande revelação para minha filha. Ou uma bela decepção. Talvez não seja nada, e ela decida me conhecer mais por outros meios. Ou ainda, talvez, seja para ela histórias, contadas sob a perspectiva da minha lente, que naquele momento enxergava a vida daquela forma, lia suas próprias vivências ora na sua melhor versão, ora entregando-se ao que era possível ser.
Pensar no amanhã me faz refletir sobre o que escrevo, não no sentido de molda-lo para ser belo, mas pela forma e sinceridade com que narro os fatos. Tenho colocado no papel palavras que me amedrontam. Uma vez nascidas, elas, as palavras, tomam forma dentro da gente e sem saber explicar como, crescem e vão se tornando outras e mais outras e histórias surgem, como um surpreendente raiar do sol em uma manhã nublada.
Contar histórias. Esse é para mim o maior dom da humanidade. Transformar o que a princípio é seu, só seu, em algo que se expande. Cresce, a ponto de não ser de mais ninguém e ao mesmo tempo, de todo mundo.
Escrevo em meu caderno, assim como Walker, sem certeza alguma de nada e ao mesmo tempo, convicta de que, seja lá o que aconteça com as palavras nascidas nestas folhas, valeu a pena tê-las parido.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Está liberado o vídeo da 19ª edição extra para apoiadores, onde li trechos de livros que me inspiram profundamente e falei um tanto sobre a melancolia na arte e suas mais diversas transmutações através da palavra que surge a partir dela.
Coisas que brilharam meus olhos:
De onde vem nossos impulsos criativos?
Presa nesta dança e na beleza que podemos fazer com nossos corpos
A sorte de quem tem histórias como esta para contar.
Já está em pré-venda o livro do bichinho mais simpático do mundo!
Eu tenho esse mesmo pensamento quanto ao que escrevo. Comecei um diário recentemente, não é um diário de histórias do meu dia-a-dia, é um diário de conhecimentos. Escrevo sobre o que leio, o que escuto, o que aprendo, enfim.
Mas me anima e preocupa a possibilidade de minha futura filha (ou filho) ler o que eu escrevo, embora na maioria das vezes eu escrevo os sentimentos mais tristes e frustrantes lá, com uma capa de "o que eu aprendi com o livro tal"
Escrevo cadernos para o meu filho, hoje com 6 anos, desde que nasceu. Como vc falou, a versao sombria de nós vai para o papel.