Amanhã,
Recentemente estive na casa dos meus pais e toda vez que revisito minhas origens reflito sobre as casas que me habitam. Somos todos, partes integrantes de uma estrutura montada, lá na infância, que vai crescendo junto conosco, porém, permanece ainda, na mesma base.
Inicialmente há apenas uma casa, aquela que nos dá abrigo, quando mais necessitamos de cuidados. Depois a rua se expande, outras casas construídas e, se tivermos sorte, ali forma-se um bairro, cheio de cores diversas, estruturas que se diferenciam entre elas, um lugar vasto, com muitas referências e habitantes. Assim enxergo meu interior.
Porém, aquela primeira casa, embora pareça agora a menor de toda rua, possui um lugar central no bairro e por vezes só percebemos isso ao revisita-la, quando não se tem mais o tamanho e o olhar de uma criança.
Encontro em todas as casas do bairro algum traço semelhante a primeira. Uma vidraça, a porta de entrada, o jardim no formato diagonal. Em todas, alguma herança, uma parte que se repete, como se fosse impossível criar algo genuinamente novo.
É possível? Me questiono com afinco. Não tenho uma resposta exata e desconfio que ninguém tenha. “Nada se cria, tudo se transforma”, nos diz Lavoisier. Se transformado, não é novo ao seu modo? Ando pelas ruas do meu bairro e vejo as pistas. Me assusto. A casa que cria é também a que me guia.
Ouso dizer que Guimarães sabia das coisas:
“Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera”.
Na impossibilidade da fuga, me coloco em sua frente e decido observa-la, minuciosamente. Suas paredes desbotadas transmitem fragilidade, mas não me engano, os tijolos são resistentes e difíceis de quebrar. A porta de entrada, de madeira maciça pintada a tinta óleo, se mantém intacta, para mostrar que é por ali que tudo passa, quando quer adentrar as ruas, já tão povoadas.
Há uma cumplicidade, mesmo diante da rejeição de objetos e cômodos. Agradeço a acolhida, deixo a porta aberta. Peço, no silêncio que me escuta, que a deixe assim, escancarada, para que novos ventos sempre adentrem as ruas e aqui possam soprar.
Não me responde, mas também não fecha a porta.
Afinal,
foi ela,
quem me ensinou a gostar do mistério.
Com curiosidade e afeto,
Ana
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não há como ressignificar espaços sem conservá-los na memória, um paradoxo eterno. <3
Oi, Ana! Adorei o texto. O valor simbólico da casa nos atinge né?! Quando pensamos no nome, uma sensação nos vem à mente. E é a sensação que nos acompanha por toda a vida. E, sempre que alguém diz casa, voltamos ao mesmo lugar. Que será diferente para cada um, mesmo que a palavra seja a mesma. Até para quem morou na mesma casa, com as mesmas pessoas, essa palavra será diferente para cada um. Acho isso tão bonito. Ao mesmo tempo que liberta a palavra, liberta-nos também dela.
Obrigada pelo texto.