Amanhã,
Tempos atrás escrevi o texto Quem lava o banheiro dela?. Recebi mensagens de pessoas que entenderam o texto como um ataque individual a todas as pessoas que não lavam seus próprios banheiros. Expliquei. Não é sobre o tempo de alguém, ali na esfera individual, mas sobre a ilusão que nos é vendida de que todos temos “as mesmas 24hs, por isso, faça por merecer”. A famosa meritocracia. É sobre o todo, como funciona e como querem que a gente veja o mundo dentro de um quadradinho.
Não é pessoal. Quase nunca é, na verdade. Hoje uso o “exemplo” do banheiro para não me comparar a ninguém. Quem lava o banheiro dela se tornou um lembrete de que as 24hs das pessoas são em muito, distintas, e ficar olhando as façanhas da coleguinha sem conhecer sua vida (e suas 24hs) é no mínimo, perda de tempo.
Não levar para o pessoal é para mim uma das maiores façanhas da vida adulta. Tenho pensado nisso toda vez que recebo um e-mail do Substack me informando que alguém deixou de assinar as Cartas. A primeira coisa que vem à mente é “o que fiz de errado? ”. Alguns minutos se passam até que me lembro da última newsletter que cancelei a assinatura e não, a pessoa não fez nada de errado. Algumas vezes deixei de me interessar pelos assuntos abordados, em outras me sinto sobrecarregada pela quantidade de assinaturas e cancelo as que menos me identifico. Os motivos são os mais variados, porém, nunca foi pessoal com quem escreve.
Trabalhar a desimportância. É sobre isso (eu acho). Minha newsletter é uma carta para o amanhã. Enviada todas as quintas-feiras. Falando sobre uma infinidade de assuntos. Em alguns momentos um tanto quanto obsessivos. E só. O desinteresse de alguém é só o desinteresse de alguém. Assim como as cartas são, só cartas.
E não, esta não é uma forma de me isentar do aperfeiçoamento. Trabalhar para escrever cartas interessantes, com uma linha invisível que costure os parágrafos de forma que torne o texto conciso, por vezes engraçado ou até mesmo conseguir passar as sensações que me acometem quando é esta a ideia central da semana. Este espaço me ensina muito e estou sempre me desafiando. E me tirar do centro é um desafio que tenho proposto também.
Quando digo me tirar do centro não falo de deixar de escrever de forma tão intima, mas tirar realmente a importância, pessoal. Tratar o texto de forma mais profissional. Não me guiar pelas preocupações de como o texto pode chegar nas pessoas porque cada um lê conforme suas experiências e isso amanhã, não tem como controlar e nem quero. E que fique claro, deixar de dar importância não é deixar de me preocupar com o conteúdo, se vou tocar em algum assunto que possa ser caro a alguém etc. É olhar para o texto como trabalho. Mais técnica, menos ego. É sobre isso.
Falho miseravelmente muitas vezes. A busca pela aprovação alheia é de difícil trato. A fuga, quase impossível. É exercício, semanal no meu caso. Escrever como ofício, ler os comentários como aprendizado, olhar para os que se vão, da estrada, apenas como passantes, por este meu caminho cheio de palavras.
E não seria a vida toda um aglomerado de passantes?
Alguém fica até o final?
Tem final?
Não levar para o pessoal é chave, que abre as tantas correntes imaginárias que colocamos em nós. Por vezes com a ajuda da multidão. Em outras, num processo longo e solitário. Em todos, sempre um jeito novo de se amarrar as tantas histórias que criamos, em sua maioria, depreciando o pouco brilho que resta.
Escrevo como quem descobriu que é possível passar pelo portão. Sem precisar derrubá-lo. Se nesse processo, minhas palavras lhe tocam, para o bem ou para mal. Já me adianto, não é pessoal.
Com curiosidade e afeto,
Ana
**PS: Esta carta foi originalmente publicada em agosto de 2023. Julho é caótico por aqui e decidi me render ao caos, em razão disso, nesta semana e na seguinte teremos textos queridinhos que já passaram por esta News.
Neste meio tempo, apoiadores receberão uma edição extra com texto inédito (provavelmente algo mais intimista, trazendo um tanto de literatura, misturada com as vivências deste mês um tanto intenso).
Palavras que pediram minha atenção:
Quem somos nós além dos danos? -
As tantas partes que compõem nossa história -
A escrita e suas tantas camadas -
Leia também:
As linhas que costuraram tudo isso #104
Amanhã, Como tapar os buracos na grande colcha de retalhos da vida? Esta foi a pergunta que fiz a uma amiga psicóloga, que ouve sobre as tantas lacunas que vão surgindo na vida das pessoas a mais de vinte anos. Não tapa Ana. Não tapa. Foi sua resposta, diante dos grandes buracos que lhe apresentava ali…
Adorei, Ana! Pra mim, dar-me a minha devida desimportância diante dos olhares alheios é um exercício diário. A frase "todo ponto de vista é a vista de um ponto" é quase que um mantra rsrsrs
Adorei!