Amanhã,
Escrevo esta última edição do ano rindo de mim mesma. Eu sou uma pessoa persistente sabe. Tenho dificuldade em me render, costumo ver a desistência sempre como algo ruim. Mas hoje, depois de já ter escrito ao menos umas quatro longas cartas para você e descartado todas elas eu digo: Desisto.
Me rendo ao que se apresenta. Tenho ao longo das duas últimas semanas tentado colocar em palavras meu processo de mudança em 2023. Uma espécie de retrospectiva. Olha ela, sendo contraditória à sua última carta. Ao terminar os textos parecia estar lendo algo que não fui eu que escrevi, e isto não é um elogio. Também não é perfeição. Mas o tom. Alguma coisa colocada naquele emaranhado de palavras que me capta para dentro da carta. Acho que sempre procurei isto, nos meus escritos e das demais pessoas, porém, só agora, nesses quarenta e cinco do segundo tempo do ano, soube nomear.
Anita Deak diz que quando sentimos este incômodo no texto é sinal de que avançamos, para melhor, na escrita e, portanto, a cobrança chega para que haja mudanças na forma de escrever. Um processo natural de crescimento nesta arte produzido pelo estudo e prática. Marcelino Freire fala bastante sobre a individualidade de cada processo, as particularidades que torna cada escritor único. As palavras, que pertencem unicamente a você.
Chego a todas essas informações valiosas sobre processos criativos ao olhar para o meu. Este ano tive avanços internos gigantescos. Aprendi a me entregar. Travei. Chorei de emoção com a entrega. Tive vergonha do resultado. Mudei. Espalhei minhas palavras. Mudei novamente. Um processo absurdamente doloroso, que ainda não sei colocar no papel ou talvez não seja o caso de colocá-lo mesmo. O que chamo de bloqueio criativo pode ser um recado da literatura para mim. Já pensou nisso amanhã? Venho tentando falar algo que pode ser que seja só meu. Nem tudo que é grande pra gente precisa ser compartilhado.
Esta semana apareceu na minha cama bem cedinho um grilo verde. Fiquei feliz, vire e mexe tem grilo verde aqui em casa. Dizem que é sinal de sorte. Eu também acho que é. Eu sou uma pessoa de sorte. Mesmo que por vezes olhe com mais atenção para o lado vazio do copo ou para o grande trabalho que é chegar na parte cheia. Mesmo assim, eu tenho sorte.
O fato é que o grilo apareceu morto. Na manhã seguinte lá estava ele, duro igual pedra no chão. Aparentemente a morte foi por causas naturais pois, como afirmou minha detetive particular, “ele não possui hematomas, portanto, não foi a Lilika que matou”. Morar com uma criança de cinco anos que usa a palavra hematomas é no mínimo, interessante. Sou uma pessoa um tanto quanto supersticiosa e já corri na internet buscar o significado de um grilo verde morrer na sua casa. Vivo é sorte. E morto?
Tal qual foi a surpresa quando encontrei uma das tantas explicações. Transformação. A morte do grilo verde, para quem acredita que não é simplesmente a morte de um grilo verde, significa que transformações estão por chegar. Sugere que olhe com mais afinco para as mudanças que precisam ser feitas na sua vida.
Ri das aleatoriedades da vida. Nesta mesma manhã estava tentando escrever um dos textos que contava as mudanças que quero para 2024. As mudanças que efetivamente já decidi que serão feitas aqui nas cartas. A minha vida é cheia dessas aleatoriedades, que gosto de chamar de magia. Tem sempre pequenas mágicas se apresentando em minha vida e eu amo quando as enxergo.
Sem tantas delongas, já que escrevi textos demais para a última edição de uma singela carta para o amanhã. Me entregar ao incerto foi a melhor coisa que me aconteceu em 2023, seja na vida profissional ou pessoal, foi um dos feitos mais difíceis que fiz neste ano, e também o mais maravilhoso.
Não faço ideia do que a vida me reserva. Mas consigo vislumbrar coisas que me fazem brilhar os olhos. Escrever seguindo meu coração é uma delas, portanto adianto aqui que as Cartas em 2024 passam a ter um formato livre, sem número exato de textos, nem edições específicas, seja nas edições abertas ou para assinantes. Livre. Enviarei cartas quando entender que tenho algo a dizer, bem como compartilharei com as apoiadoras conteúdos que me fazem lembrar de quem me apoia. Em ambos os casos, será a minha melhor versão, ofertando algo que quero genuinamente partilhar.
Desejo que o presságio do grilo verde se expanda por todas as áreas da minha vida, espalhando transformações sem dó. Se 2023 foi enxurrada de transformação e cá estou, em pé, vislumbrando mais. Que venha com tudo em 2024. Não sei se estou pronta, mas eu sou uma mulher esforçada e não ando só, isso há de contar para alguma coisa.
Aos que dedicam sempre um tiquinho do seu tempo para ler minhas palavras, meu muito obrigada. Que 2024 tenha muitos grilos verdes, brilho nos olhos e amigos para segurar a mão quando a barra pesa. Eu não teria sobrevivido sem os meus e pela presença deles neste tão intenso ano, também agradeço. Vocês sabem quem são.
Desejo, acima de tudo, que se deem o direito da liberdade naquilo que não é possível criar dentro de um quadrado.
Com curiosidade e afeto,
Ana
Ana, mulher, fiquei aqui com uma pergunta que me ocorreu a partir do seu texto:
o que nos torna únicos enquanto humanos?
O que é tão meu (tão tão tão meu) que me faz querer abrir a carne em verbo e escrever?
O que faz de mim escritora?
E o que carrega minha escrita de único?
Seu texto me proporcionou tudo isso e nem são 10hs da manhã! Veja que maravilha! Vamos ficar com essas perguntas abertas não para que sejam respondidas, mas para que estejam sempre conosco para nos manter no caminho. No nosso caminho.
Obrigada por este ano, minha amiga. Obrigada por sua voz tão viva.
Até breve!
💚